18 •POBREZA E PATRIMÔNIOintegração dos serviços urbanos na favela Senhor dos Passos 2 . Esta favelarepresenta um típico exemplo de assentamento informal da capital mineira.Espremida em uma área central da cidade, com uma topografia fortementeirregular, é fruto de um processo lento, mas contínuo, de ocupação dos declivesde uma antiga pedreira da qual, inclusive, foi extraído material para a construçãoda cidade. Nesta situação, o alargamento de cada rua acabou sendo conquistadoà base de muita “conversa” e de uma boa dose de “cafezinhos”. Para que as ruasfossem tomando forma, era necessário que os moradores afastassem a fachadade suas casas, ou seja, era preciso retirar uma parte da moradia. Assim, a criatividadefoi utilizada na tentativa de encontrar uma solução que permitisse à casamanter sua funcionalidade, além de tornar claro o benefício coletivo e também obenefício direto para cada família.Uma área específica desta favela nos preocupava de modo particular.Eram cerca de 20 casas construídas em uma vala do terreno, que no período daschuvas eram frequentemente alagadas, já que não havia possibilidade dedrenagem das águas 3 . Além disso, a baixa qualidade das habitações, a altadensidade territorial da zona, o estrangulamento e a precariedade do sistemaviário, tudo isso indicava a necessidade de uma ação significativa no que dizrespeito à reestruturação espacial. Assim, depois de várias discussões com osmoradores, decidiu-se remover as casas e formular uma nova hipótese de distribuiçãoe construção de novas moradias em um espaço urbano que permitissemelhor qualidade de vida.Deste grupo também fazia parte dona Efigênia, senhora de 75 anos quevivia há mais de 40 na área. Por causa da sua idade, havia participado não maisdo que ocasionalmente dos encontros. Dirigi-me, portanto, à sua casa para lheexplicar e comunicar-lhe o que tinha sido decidido; tudo isso com o meucarregado sotaque italiano. Dona Efigênia, ao me receber pacatamente, foi logome explicando que as inundações sazonais não eram, na verdade, um problema
PESSOA E TALENTOS • 19grave, porque já havia encontrado uma solução há tempo. Realmente, bastavacolocar uma passarela sobre o nível das águas e um outro pedaço de madeiranos batentes da porta, de modo que as águas ficavam impedidas de invadirema casa. Colocando, depois, alguns degrauzinhos, tornava-se possível subir dapassarela até à casa. Explicou-me como havia “resolvido” o problema fazendouso de um instrumento que chamava de “porta para água”.Uma solução como esta descrita por dona Efigênia eu já conhecia de umoutro contexto. É usada em grande estilo e oportunamente pela Prefeitura deVeneza quando as águas da laguna invadem a cidade nos dias, assim chamados,de “água alta”. Mas dona Efigênia continua a sua explicação dizendo que aquiloque ela tinha construído durante anos era mais importante do que o problemaobjetivo que devia enfrentar sazonalmente. Realmente morava na habitaçãocentral de um núcleo de três casinhas muito próximas umas das outras eaparentemente erguidas em um único lote. Em uma delas morava o seu filho e,na outra, uma sua amiga querida. Dona Efigênia era a proprietária das casas,mas concedia aos dois moradores a possibilidade de ocupá-las porque, devido àsua idade, precisava do amparo do filho e da amiga, já que esta lhe ajudava afazer “as compras para o lar” e aquele a socorria nos momentos difíceis; comisso, ela havia criado uma unidade “familiar” que não vivia, porém, sob o mesmoteto. Uma solução difícil de se reproduzir em um outro contexto, entretanto DonaEfigênia havia resolvido o problema para a solidão da sua velhice.Aquilo que para nós era uma situação crítica e que, por isso, merecia umamedida tão radical, para dona Efigênia era, ao contrário, um recurso, o principalrecurso que com a sua criatividade e com o seu esforço havia construído ao longoda vida. A nossa ação, propícia para identificar corretamente as necessidadesatravés de um processo de coleta de informações e de análise dos dados 4 ,mesmo querendo melhorar as condições de vida e, portanto, reduzir a situaçãode pobreza, poderia romper irremediavelmente o recurso “família” queconstituía, naquele momento, o principal “patrimônio” de Dona Efigênia.Este foi um primeiro exemplo de uma longa série de casos que, nestes 10anos de trabalho, têm direcionado a opção metodológica da AVSI ao desenvolvervários programas de redução da pobreza nas áreas assim chamadas de “riscosocial”, possibilitando enfrentar problemas como o da infraestrutura, procura porvagas de trabalho e por soluções para a questão da educação infantil.4Uma descrição detalhada dos instrumentos e dos métodos de gestão das informações se encontra ainda em UNCHS(Habitat). Putting the Urban Poor on the map: an informal settlement upgrading methodology supported by informationtechnology. Nairoby: UNCHS, 2000. p.141-230.