28 •POBREZA E PATRIMÔNIOpessoa à liberdade de associação e de empreendimento, até mesmo o econômico,revela-se, na experiência, uma força potente de mudança.A subsidiariedade, que tem suas raízes no pensamento de Aristóteles e deSão Tomás, construída inclusive pelo Tratado de Maastricht, da União Européia,é muitas vezes retomada pela Doutrina Social da Igreja Católica:É injusto remeter a uma maior e mais alta sociedade aquilo que asmenores e inferiores comunidades podem fazer... Disso poderia advirum grave dano e um desvirtuamento da reta ordem da sociedade...Pois o objeto natural de qualquer intervenção da sociedade é aquele deajudar de maneira suplementar as assembléias do corpo social e nãodestruí-las ou suplantá-las (Papa Pio XI, 1931).Sobre este aspecto se funda a terceira passagem metodológica do nossoagir em favor do desenvolvimento e, assim, da melhoria das condições de vidaque podem aliviar as situações de pobreza que atormentam uma boa porção dapopulação urbana no Brasil. O êxito do desenvolvimento associativo de reforçodas “comunidades intermediárias” é o surgimento de sujeitos conscientes eautônomos. Nos programas de desenvolvimento é fundamental realizar umaparceria entre tais sujeitos e as entidades envolvidas, colocando em movimentosinergias e significativas quantidades de recursos. Trata-se de partir de umsujeito existente, que envolve nas ações as administrações locais, as forçassociais, as instituições internacionais, numa ação comum, segundo respectivasfunções, para responder às necessidades.É daqui que surge o conceito de parceria: cada ator (comunidade, sociedadecivil, empresas, organismos internacionais, poder público) desenvolve seupróprio papel para um bem comum. Existe uma diversidade nos papéis, na definiçãodas ações, na sua execução e no processo de avaliação dos resultadosalcançados, mas não existe uma separação entre o “pensar” e o “fazer”. Umarelação estreita entre os parceiros faz com que cada um coloque todas as suaspotencialidades em termos de experiências e conhecimentos: uma parceira fortetraz benefícios ao programa em termos de eficiência e sustentabilidade. Portanto,o esforço que deve ser feito para pensar a realização de programas de desenvolvimentoé aquele de envolver as políticas públicas e sensibilizar as administrações,as instituições e governos a colaborarem com os serviços que são ofertados pelasassociações espontâneas, oferecendo a elas, quando possível, apoio e subsídios,respeitando a livre vocação de cada comunidade intermediária.Do mesmo modo que a participação é algo implícito ao projeto de desenvolvimento,a parceria é parte constitutiva da definição e realização das políticas,considerando os papéis e as capacidades de cada ator; ela não vem “depois”. Aparceria consiste em colocar as decisões e, por isso em definir as políticas (e não
PESSOA E TALENTOS • 29somente realizá-las) naquele nível da sociedade, naquele patamar da agregaçãosocial que tem capacidade para construir e realizar formas de respostas aosproblemas.É lícito, então, que as políticas se submetam à experiência, é licito que osresponsáveis pela elaboração das políticas públicas se submetam àquele nível deagregação social capaz de fornecer respostas em forma de experiências.Percurso operativo: reforçar o patrimônioA respeito do estudo comparativo realizado pelo Banco Mundial sobre amodalidade com a qual quatro comunidades pobres, em quatro diferentescontinentes, reagiram à crise econômica dos anos 80, a socióloga Caroline Moser(1996) conclui que, na análise de uma comunidadeé importante identificar não somente as ameaças, mas também aquelascapacidades de adaptação, de aproveitamento das oportunidades ede resistência aos efeitos negativos das mudanças do ambiente externo.Os meios para resistir são os recursos que os indivíduos, as famíliase as comunidades podem colocar em campo para enfrentarem asnecessidades. Portanto, a vulnerabilidade é estritamente vinculada àposse de recursos. Quanto maior são os bens menor é a vulnerabilidadee quanto maior é a corrosão deles, tanto maior é a insegurança (p. 2).Se estendermos a observação de Caroline Moser não somente com basenos bens materiais 15 , mas também se considerarmos o homem na sua incansávelbusca de significado, que o torna capaz de colocar em ação todas as potencialidadese talentos que possui, as considerações finais não mudam, aliás, assumemuma configuração ainda mais completa.Se considerarmos como “patrimônio” o conjunto de recursos palpáveis enão palpáveis que as pessoas possuem pode-se concluir que:P = f (1/V) (1)O patrimônio (P) é inversamente proporcional à situação de vulnerabilidade(V) das comunidades pobres. Assim, para reduzir a vulnerabilidade énecessário reforçar os recursos dos quais a comunidade pode dispor para enfrentaras situações críticas. Podemos até mesmo afirmar que um programa deredução da pobreza deve, como objetivo principal, contribuir para aumentar o15Sobre o conceito de “recursos” ver também: NERI. In: HENRIQUES, 2000. p. 509-517.