— O que aconteceu? — balbuciou ele. Queria perguntar o que tinhaacontecido ao homem que tinha matado.— Desapareceste e <strong>de</strong>ixaste-me num bar merdoso com um monte <strong>de</strong>vândalos, foi isso o que aconteceu.— Aquele tipo, Edith. Ele morreu?Ela tossiu e a seguiu resmungou. — Morreu? Não. Mas precisou <strong>de</strong>ajuda para voltar para casa. Eu também precisei, mas tu já não estavas lá.Rooker concentrou-se nos seus pensamentos.É claro que o homem não estava morto. Claro que não. Sentiu imediatamenteque a sua pena estava temporariamente suspensa. Afinal aindadispunha <strong>de</strong> uma oportunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a agarrasse <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já. Des<strong>de</strong> quepartisse já. As palavras pulsavam-lhe na cabeça, assumindo contornos brilhantes,cor <strong>de</strong> néon, que lhe magoavam o interior dos olhos. Limita-te apartir, sai daqui, para longe disto.Foi até ao roupeiro e retirou o seu velho saco <strong>de</strong> viagem em cabedal.Começou a atirar lá para <strong>de</strong>ntro roupas e livros.Edith soergueu-se, apoiada no cotovelo. — O que está a fazer?— Dá para veres o que estou a fazer.— Para on<strong>de</strong> vamos nós?Veio-lhe à i<strong>de</strong>ia o quanto odiava aquele nós. Todos os bares e esquinas<strong>de</strong> rua, todas as camas e apartamentos, em cida<strong>de</strong>s diferentes, encerravamaquela pequena palavra, todos os argumentos e reconciliações e compromissosmeio sentidos, firmados e <strong>de</strong>pois repudiados, não só com Edith, mascom outras mulheres, e para quê?— Nós não vamos a lugar nenhum. Eu vou. — Lançou a última pilha<strong>de</strong> pertences para <strong>de</strong>ntro do saco e correu o fecho.— Vai à merda, Rook.— Como queiras. — Apercebeu-se <strong>de</strong> que não encontrava a carteira.Per<strong>de</strong>ra-a algures, na noite anterior, entre o bar e a cama, ou o mais provávelé que alguém a tivesse roubado. Não tinha importância. Edith sentou-se. Aslágrimas assomaram-lhe aos olhos e <strong>de</strong>pois jorraram, escorrendo por entreas manchas negras da maquilhagem. Mesmo com um aspecto horroroso,Edith era linda.— A<strong>de</strong>us — disse-lhe, colocando o saco ao ombro.— Espera! — gritou ela. Mas ele já estava perto da porta. — O<strong>de</strong>io-te— gritava Edith nas suas costas. — Eu o<strong>de</strong>io-te.Rooker começou por se dirigir para Miami, on<strong>de</strong> um amigo <strong>de</strong>Christchurch possuía uma pequena empresa <strong>de</strong> viagens aéreas. O negóciocorria-lhe bem. Rook ficou com ele até o olho passar do vermelho ao negro,e <strong>de</strong>pois começar a adquirir uma tonalida<strong>de</strong> cor-<strong>de</strong>-púrpura, à medida queo corte sarava, embora num aspecto irregular porque não tivera paciência16
para o mandar suturar. Chegou a ter esperanças <strong>de</strong> que Ken lhe arranjassetrabalho, mas em vez disso, este referiu-lhe em termos bastante incisivosque Rook, em três anos, não registara quaisquer horas <strong>de</strong> voo e que tinha <strong>de</strong>actualizar a sua prática, antes que qualquer companhia o admitisse.— Voltar à escola <strong>de</strong> pilotagem? — argumentara Rook, <strong>de</strong> sobrolhofranzido. — Tenho quarenta e seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.— Escuta, companheiro. Ambos sabemos que sabes voar. Mas estaempresa rege-se em cem por cento por princípios éticos, e sem habilitaçõesactualizadas não entras em nenhum dos meus aviões. Percebeste?— Obrigado — retorquiu Rook, encolhendo os ombros.— Não é preciso agra<strong>de</strong>ceres. E já agora também <strong>de</strong>vias pensar emreduzir a bebida.De Miami, Rooker fora para o Rio, principalmente porque nunca látinha estado. A seguir ao Rio, partira para Buenos Aires, mas o <strong>de</strong>sassossegovoltou a dominá-lo e <strong>de</strong>u então consigo a mudar <strong>de</strong> lugar em lugar, cada vezmais para Sul, como se fosse impelido a <strong>de</strong>sviar-se do centro populoso domundo, em direcção às suas margens a que pertencia. Não tentava remarcontra a corrente. Esteve em Rio Gallegos e a seguir, como havia mais àfrente um outro local ainda mais remoto, foi parar a Ushuaia. A cida<strong>de</strong> maisa sul da América do Sul, presa ao mundo entre a cauda dos An<strong>de</strong>s e as águasrevoltas da Passagem <strong>de</strong> Drake.Agora Edith tinha-o encontrado.— Teria feito todo este caminho, se não me importasse contigo? —murmurou ela. Tocou-lhe na cicatriz vermelha e estreita que lhe unia o olhoao maxilar. — Rook?— Não quero isso.Com os <strong>de</strong>dos, ela levantava a lingueta do cinto para lhe <strong>de</strong>sapertar afivela grossa.— Nem em memória dos velhos tempos? — Tinha os lábios e as pálpebrasligeiramente inchados, recordando-lhe que ficavam sempre assim,mais grossos, quando faziam amor. Não era uma memória oportuna, masainda assim conseguia excitá-lo.Edith <strong>de</strong>slocou os <strong>de</strong>dos ainda mais para baixo. — Mas tu queres, nãoé? — segredou-lhe ela. — Estás a ver?Bom, já que estás aqui, po<strong>de</strong>mos aproveitar, pensou Rook. Se é por issoque percorreste todo esse caminho.Empurrou-a mais para trás, até a <strong>de</strong>positar sobre a cama. Ela enlaçou--lhe logo a cintura com as pernas, para o pren<strong>de</strong>r. Lançou a cabeça para tráse o cabelo negro espalhou-se sobre a almofada. Antes <strong>de</strong> fechar os olhos, eleviu-lhe o brilho triunfante no sorriso.17
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pessoas. No quarto reservado ao alo
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Capítulo SeisAlice estava de pé,
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As paredes do átrio da Sullavanco
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Por detrás das janelas fumadas da
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— O que posso eu fazer? — pergu
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vazia - tudo o que não necessitava
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um milhão de centros nervosos.Porq
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dos CDs. Comeu muito pouco, mas est
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Heathrow a piscar à distância. Tr