— Toma, põe-lhe isto na boca — pediu Jo, passando-lhe o biberão.Alice introduziu a tetina <strong>de</strong> borracha na boca do bebé e este começou achuchar. Instalou-se numa das ca<strong>de</strong>iras da mesa da cozinha, na companhiado berço portátil, <strong>de</strong> um maço <strong>de</strong> fraldas <strong>de</strong>scartáveis e <strong>de</strong> uma pilha <strong>de</strong> roupa<strong>de</strong> bebé mesmo ao lado do seu cotovelo. Através das portas abertas quedavam para o jardim, conseguia avistar a vegetação e as cabeças irregularese <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas das hortênsias em rosa escuro. O bebé retomara já o seuritmo habitual, fungando e sugando com mais vigor.— Como te sentes? — perguntou Alice a Jo, Estava com as costas meiovoltadas para o lava-loiças e tinha aquela expressão, muito frequente naquelestempos, em que parecia estar à beira das lágrimas.— Nos últimos dias tive <strong>de</strong> passar a dar-lhes biberão. Não consigo continuara amamentá-los. Assim, eles dormem um pouco mais entre as refeiçõese por vezes consigo ficar com duas horas para mim.— Assim é muito melhor, não é?Jo assentiu com a cabeça, não parecendo contudo muito convencida.Queria ser tão boa mãe, quanto era uma boa rapariga e isso implicava amamentá-loscom o seu próprio leite. Alice percebeu-o, sem que Jo tivesse queacrescentar alguma coisa.— Olha para mim, Ali — pediu Jo, em voz baixa.Vestia uma camisa solta, <strong>de</strong>baixo da qual os seios se moviam comogolfinhos <strong>de</strong>ntro d’água. A orla da saia pendia irregularmente, <strong>de</strong>ixando veras barrigas das pernas pálidas e as canelas por <strong>de</strong>pilar, e o rosto encantadorestava abatido. Alice achava que ela tinha um ar mais velho, mas <strong>de</strong>scobria-lhetambém uma nova serieda<strong>de</strong>, uma dimensão elementar extra querealçava substancialmente o seu fascínio. Mesmo com a aparência frágil, elaestava mais sensual que estivera antes <strong>de</strong> engravidar.— Às vezes, parece-me que ninguém já olha para mim, nem mesmo oHarry. Sou um acessório invisível. As minhas únicas funções são alimentar,limpar e cuidar do Leo e do Charlie. Sou apenas uma mãe. Gostava <strong>de</strong> sereu própria, mas nem me consigo lembrar <strong>de</strong> como era antes disto acontecer.— Tu estás igual a ti própria. Estás até melhor. Este tempo vai passar.Alice <strong>de</strong>sejou abraçar a amiga, mas estava tolhida pelo bebé que tinhanos braços. E era apenas um dos dois, durante alguns minutos. Ao olhar <strong>de</strong>novo para o jardim, apercebeu-se da exacta medida daqueles limites. Jo tinha-lhefalado no tempo que iria passar até ambos os bebés po<strong>de</strong>rem sair <strong>de</strong>casa, nem que fosse para uma ida às lojas. Qual seria a sensação <strong>de</strong> imaginarque o mundo tinha minguado da sua dimensão infinita até às quatro pare<strong>de</strong>sdaquela casa e aos cem metros quadrados <strong>de</strong> um jardim suburbano?— Só passaram doze semanas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eles nasceram. Eles vão cres-50
cer e começar a correr por todo o lado. — Ao ver nos seus braços aquelapequenina parcela in<strong>de</strong>fesa da humanida<strong>de</strong>, Alice apercebeu-se <strong>de</strong> comoesse futuro parecia distante.Jo suspirou. — É claro que vão. E as coisas também estão a melhorar.Lembras-te que, ao princípio, nem tinha sequer tempo para me vestir?Desculpa, Al. Não quero estar a lamentar-me. Sinto-me apenas esmorecida,porque estive por minha conta o dia inteiro. Desejei tanto tê-los e amo-osverda<strong>de</strong>iramente. Nem sequer sabia o que era amar antes <strong>de</strong> eles nascerem.Colocou um bule <strong>de</strong> chá e duas chávenas sobre a mesa.— Qual <strong>de</strong>les é este? — perguntou Alice, embaraçada.Jo riu-se. — Leo.— Desculpa. Hei-<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a distingui-los.— Não te preocupes. Até o Harry se engana na maior parte das vezes.Queres umas torradas, umas bolachas, ou outra coisa qualquer? Que penanão ter feito um pão-<strong>de</strong>-ló.Alice abanou rapidamente a cabeça.Jo olhou para a amiga com atenção e <strong>de</strong>pois sentou-se junto <strong>de</strong>la, àmesa. — O que se passa?— Foi o Pete.— Continua.Alice contou-lhe. Enquanto falava, as pálpebras <strong>de</strong> Leo agitaram-selevemente até acabarem por se fechar. As gengivas <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> apertar atetina do biberão, enquanto se iam formando bolhas <strong>de</strong> espuma esbranquiçadase brilhantes aos cantos da boca.— Desculpa — comentou Jo, no fim. — Desculpa por não parar <strong>de</strong> mequeixar dos meus problemas, sem te dar oportunida<strong>de</strong> para falar.— Não fizeste nada disso. Tu não és assim.A cozinha ficou em silêncio por alguns momentos. Ambos os bebésdormiam e aquele oásis <strong>de</strong> paz silenciosa era ainda mais assinalável e precioso,porque apenas iria durar alguns minutos. O rosto <strong>de</strong> Jo ficou maissuave e luminoso, enquanto ela olhava serenamente para o jardim. A solidarieda<strong>de</strong><strong>de</strong> Alice em relação a ela <strong>de</strong>u lugar a uma inveja inesperada, e elamor<strong>de</strong>u os lábios ao aperceber-se disso.Em seguida, começou a falar. — Aquilo que me parece é que Georgianão foi a única. Agora que me apercebi disto, parece existir um conjunto <strong>de</strong><strong>de</strong>talhes que se interligam entre si. Pete está muitas vezes ausente e talvezeu me tivesse convencido <strong>de</strong> que isso só acontecia porque ele é um artistae precisa <strong>de</strong> espaço, sem ter laços que o amarrem. Quando não vem paracasa à noite, ou quando vai durante alguns dias para Falmouth, Londres,ou Diepee, eu limito-me a prosseguir com o meu trabalho e a sentir-mecontente por sermos tão… autonomamente produtivos e partilharmos essa51
- Page 2: T í t u l o : Sol à Meia-NoiteA u
- Page 5 and 6: Capítulo UmO vento soprava da dire
- Page 7 and 8: ficar para o dia seguinte, o que eq
- Page 9 and 10: Ele não sabia onde iria estar quan
- Page 11 and 12: — Edith, não percebo porque est
- Page 13 and 14: alcance do outro. A seguir enfrento
- Page 15 and 16: para o mandar suturar. Chegou a ter
- Page 17 and 18: cópteros e das aeronaves a levanta
- Page 19 and 20: A blusa da rapariga ergueu-se um po
- Page 21 and 22: do com a sua experiência, a arte e
- Page 23 and 24: pequena mesa rústica, e ainda uma
- Page 25 and 26: Nessa manhã, Margaret respondia a
- Page 27 and 28: tiu que a filha a conduzisse suavem
- Page 29 and 30: são. — Tratava-se sempre da tele
- Page 31 and 32: disposição as infra-estruturas de
- Page 33 and 34: posta, nem teses sem provas. Gostav
- Page 35 and 36: nente científica respeitável; pro
- Page 37 and 38: tas, como um desafio de despedida.
- Page 39 and 40: — Sabes uma coisa, Al? Quando sor
- Page 41 and 42: Alice ficou completamente petrifica
- Page 43 and 44: Capítulo Quatro— A tua mãe não
- Page 45 and 46: puxava o fecho das calças. Depois,
- Page 47: conseguir descobrir a lógica que a
- Page 51 and 52: nados numa sociedade em desintegra
- Page 53 and 54: de poder vir de avião para casa, a
- Page 55 and 56: soa estranha que escutasse o que se
- Page 57 and 58: De repente, viram uma enfermeira a
- Page 59 and 60: dido coisa alguma. Tudo quanto fize
- Page 61 and 62: Capítulo CincoCom a aproximação
- Page 63 and 64: pela cabina de rádio-transmissão,
- Page 65 and 66: pessoas. No quarto reservado ao alo
- Page 67 and 68: O céu tinha escurecido, estando ag
- Page 69 and 70: O céu carregara-se entretanto de n
- Page 71 and 72: Parecia ter-se já estabelecido que
- Page 73 and 74: Capítulo SeisAlice estava de pé,
- Page 75 and 76: As paredes do átrio da Sullavanco
- Page 77 and 78: Por detrás das janelas fumadas da
- Page 79 and 80: sobre ela, como se isso lhe transmi
- Page 81 and 82: a exploração e a descoberta cient
- Page 83 and 84: — O que posso eu fazer? — pergu
- Page 85 and 86: — Oh, Deus — exclamou Becky, co
- Page 87 and 88: chas acastanhadas eram as suas pró
- Page 89 and 90: vazia - tudo o que não necessitava
- Page 91 and 92: um milhão de centros nervosos.Porq
- Page 93 and 94: dos CDs. Comeu muito pouco, mas est
- Page 95 and 96: Heathrow a piscar à distância. Tr