atelier <strong>de</strong> Pete estava meio entreaberta, <strong>de</strong>scaindo ligeiramente dos gonzos.Alice pren<strong>de</strong>u a bicicleta, com uma corrente, a um sinal <strong>de</strong> trânsito queproibia o estacionamento na zona. Ao lado, estava parado um Mini reluzente,novinho em folha.Esgueirou-se por entre a porta e entrou no atelier. Em contraste com aluz luminosa do dia, o interior estava envolto em penumbra. Então Pete nãoestava a trabalhar. Todas as cortinas das gran<strong>de</strong>s janelas estavam corridas.O chão em cimento cheirava a pó e a resina, e houve algo <strong>de</strong> familiar quelhe roçou no subconsciente uma fracção <strong>de</strong> segundo, antes <strong>de</strong> estabelecera associação. Era a música, a mesma melodia que tocava na chata, naquelatar<strong>de</strong> em que Pete se atirara para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> água.O seu mais recente trabalho pendia sobre a cabeça <strong>de</strong> Alice. Era umninho <strong>de</strong> pássaros, construído em metal retorcido, com alguns objectos encontradosna rua, suspensos por fios <strong>de</strong> metal, no interior do emaranhadoda armação – o guiador <strong>de</strong>formado <strong>de</strong> uma bicicleta e uma forma parachapéus em poliestireno a lembrar uma cabeça <strong>de</strong>scolorida rodavam lentamente,impelidos pelo sopro do ar condicionado. Alice tinha uma sensação<strong>de</strong> tensão na sua nuca, enquanto olhava à sua volta, tentando <strong>de</strong>scobrir <strong>de</strong>on<strong>de</strong> provinha a música. O maçarico <strong>de</strong> soldar <strong>de</strong> Peter jazia no chão, coma máscara negra <strong>de</strong> soldar, que lhe dava o aspecto do Darth Va<strong>de</strong>r 4 , abandonadaao lado. Deu três passos rápidos em direcção a uma porta interior,passando ao lado <strong>de</strong> outros <strong>de</strong>stroços amontoados por ali.A porta dava para um cubículo formado por uma divisória, on<strong>de</strong> seencontrava uma bancada <strong>de</strong> trabalho em metal, que Pete utilizava para ostrabalhos <strong>de</strong> menor dimensão. Havia ali um armário arquivador cinzento,uma chaleira e um conjunto <strong>de</strong> chávenas manchadas com auréolas <strong>de</strong> tanino.O leitor <strong>de</strong> CDs estava pendurado na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> secretária partida,que viera do contentor das imediações do parque. No chão estava a mala <strong>de</strong>uma rapariga em camurça, com franjas e <strong>de</strong> aspecto caro, com todo o conteúdoespalhado. A própria rapariga encontrava-se empoleirada na bancadaem <strong>de</strong>salinho, apoiada sobre as mãos. As suas pernas, envoltas no tecido <strong>de</strong>ganga, estavam estendidas e ro<strong>de</strong>avam a cabeça <strong>de</strong> Pete.Este não se apercebera da entrada <strong>de</strong> Alice. Mesmo ao lado do seu ouvidodireito, Alice conseguiu distinguir a tatuagem da borboleta.Os olhos da rapariga foram ao encontro <strong>de</strong> Alice, quando a músicaterminou.— Oh, merda — exclamou ela.Alice não se moveu. Seguiu-se uma confusão <strong>de</strong> movimentos por partedos dois, enquanto Pete se punha <strong>de</strong> pé e a rapariga saltava para o chão e4N.T.: Famoso vilão ficcionado pelos filmes da saga Guerra das Estrelas, também referido comoLord Va<strong>de</strong>r ou simplesmente como Va<strong>de</strong>r.46
puxava o fecho das calças. Depois, inclinou-se para o lado para apanhar amala e segurou-a por instantes em frente ao peito, como se esta fosse parte<strong>de</strong> uma armadura <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.Peter abanou a cabeça e passou a mão pelos cabelos. Durante instantes,permaneceu em silêncio.Foi a rapariga quem falou primeiro. — Bem, o que posso eu dizer?Tinha uma voz do tipo grave e arrastado. Alice sabia que o carro estacionadolá fora <strong>de</strong>via ser o <strong>de</strong>la, talvez uma prenda dos seus vinte e um anos,dada pelo papá. Pete apreciava raparigas que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong>le. Elaprópria se incluía nessa categoria. O pensamento fê-la sentir uma pontada<strong>de</strong> surpresa <strong>de</strong>sconcertante. Pete estremeceu, ao percebê-la no seu rosto,afirmando-lhe então em voz rouca — Al, ouve, isto não é…— Não é o que eu estou a pensar? É isso o que ias dizer?Ele ergueu a mão. — Georgia, é melhor ires embora.Com uma parte do seu raciocínio, Alice observava o quanto ela era bonitae como parecia tão jovem. Em contraste com esta rapariga <strong>de</strong>slumbrante,sentia-se velha e insignificante. Espantava-a também o seu autodomínio.Ela colocara a mala ao ombro e olhava impassível em redor da pequena divisóriapara ver se não se esquecia <strong>de</strong> alguma coisa. Inclinou-se para a frentee retirou o CD do leitor. Depois <strong>de</strong> o guardar no interior da mala, pôs-se emfrente <strong>de</strong> Pete, com as costas voltadas para Alice. Esta seguia-lhe fascinadasas linhas graciosas do pescoço e dos ombros estreitos.— Quando volto a ver-te?Ele teve o tacto <strong>de</strong> manifestar algum <strong>de</strong>sconforto. — Não sei. Talvezleve algum tempo.— Estou a ver. Bom, nesse caso, eu ligo-te. — Deu meia volta, olhando<strong>de</strong> passagem para Alice. — Tenho muita pena, sinceramente. Não estavaprevisto que isto fosse acontecer assim. Mas, como se costuma dizer, noamor e na guerra…E partiu.O que é que se podia dizer numa circunstância como esta? reflectiaAlice. Pete aguardava, preparado para lhe pegar na <strong>de</strong>ixa. Parecia um meninoda escola, à espera <strong>de</strong> uma reprimenda, meio truculento, meio rebel<strong>de</strong>.Ela <strong>de</strong>sejava dizer-lhe que ele era um adulto, um homem crescido. Não iriaconseguir safar-se sempre com o truque do rapaz travesso.— Vim até cá, porque a minha mãe não se encontra bem. Estou preocupadacom ela. Pensei que pudéssemos almoçar. Só umas san<strong>de</strong>s ou qualquercoisa do género. — As suas palavras preencheram o espaço que os separava.A expressão <strong>de</strong> Pete <strong>de</strong>u lugar ao alívio, como se a sua pena estivessesuspensa.— É claro que sim. Vamos então. On<strong>de</strong> te apetece ir?47
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Heathrow a piscar à distância. Tr