— O quê? Não. Não quero ir a lugar nenhum. Isso foi antes <strong>de</strong> eu ver…aquilo que vi.Ele precipitou-se: — Al, acredita em mim, foi apenas uma parvoíce,isto não significa nada.— É só sexo?O rosto <strong>de</strong>le enrubesceu. — Não. Bem, se queres colocar as coisas nessestermos, sim. Acho que sim.— Quantas?— Quantas vezes? Por amor <strong>de</strong> Deus. Trata-se apenas <strong>de</strong> uma estudante.— Quantas mulheres?— Por favor, Alice. Por quem me tomas? Eu estou contigo, eu amo-tea ti.Ela olhava fixamente para ele. Gostaria que ele a abraçasse e lhe dissesseque fora tudo um erro – não da forma comprometida e formal com queo estava a dizer, mas <strong>de</strong> uma maneira que a levasse a acreditar nas suas palavras.E ao mesmo tempo, ela sabia que isso era terrivelmente utópico, porquenunca mais iria voltar a acreditar no que ele lhe dissesse, nunca mais,no que quer que fosse. Ele tinha-lhe mentido e estava a mentir-lhe nessemesmo instante.Quando Pete concluiu os seus protestos, Alice ficou atenta, à escuta.Parecia-lhe ter ouvido um sussurro leve, ínfimo. Era o som das suas ilusõesque <strong>de</strong>sabavam <strong>de</strong> mansinho.— Não me parece.Ele <strong>de</strong>u uma pancada na bancada, com o punho fechado. Fora umgesto teatral. — Ouve-me, eu lamento. Isto não volta a acontecer. Foi umerro e eu já estava arrependido, mesmo antes <strong>de</strong> tu chegares. Mas aconteceu.— Da mesma maneira que as avalanches ou uma tempesta<strong>de</strong> acontecem,presumivelmente. Uma catástrofe natural que ele não podia controlar.Alice disse-lhe então, medindo as suas palavras. — Não me pareceuque estivesses com ar <strong>de</strong> arrependimento. Agora vou regressar ao trabalho.Temos <strong>de</strong> voltar a falar sobre o que vai acontecer, sobre como…— Queriareferir-se à maneira <strong>de</strong> colocar um ponto final em tudo, mas não encontroua palavra a<strong>de</strong>quada. — Mas não o quero fazer hoje. Se não conseguires arranjarum sítio on<strong>de</strong> ficar hoje à noite, irei para casa da Jo.Tinha os olhos secos e a voz firme, mas sentia que lhe faltava o controlo.O estômago ardia-lhe com uma sensação <strong>de</strong> náusea e tinha as palmas dasmãos húmidas. Deu meia volta e encaminhou-se para fora do atelier. A cabeça<strong>de</strong> polietileno continuava a girar em torno do seu fio metálico. Nuncatinha compreendido a arte <strong>de</strong> Peter, pensava ela. Desejara muito fazê-lo, forçandoa mente e os sentidos para a contemplar vezes sem conta, sem nunca48
conseguir <strong>de</strong>scobrir a lógica que ali existia. De facto, ela era igual a Trevor ea Margaret: apenas uma cientista, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> imaginação.Sem conseguir raciocinar, voltou <strong>de</strong> bicicleta para o escritório, escovouo cabelo e bebeu um copo <strong>de</strong> água. A seguir embrenhou-se, com cinco dosseus colegas, num <strong>de</strong>bate exaustivo relativo à distribuição das verbas para opróximo ano. Dedicou-se à redacção da acta, anotando com precisão meticulosaos diversos pontos <strong>de</strong> vista em discussão. De uma ou outra vez,quando alguém lhe dirigia a palavras, dava consigo a olhar fixamente paraa pessoa, enquanto se esforçava por incutir um significado ao seu discursoatabalhoado.— Sente-se bem, Alice? — perguntou-lhe o professor Devine, assimque a reunião terminou. David Devine era o chefe do <strong>de</strong>partamento e umvelho amigo dos pais.Ela encarou-o <strong>de</strong> frente e sorriu. — Sim obrigada, estou bem. — Averda<strong>de</strong> é que se sentia doente.Já no seu gabinete, ligou para Jo. — Vais estar em casa? Posso passar aí,quando sair do trabalho?— É claro que estou em casa. É on<strong>de</strong> me encontro sempre. Mas hoje,os bebés estão a ter um dia particularmente agitado.— Eu dou-te uma ajuda.Joe e Harry viviam em Headington. Alice subiu lentamente a encosta<strong>de</strong> bicicleta, fustigada pela <strong>de</strong>slocação <strong>de</strong> ar à passagem dos autocarros, sentindoque as pernas lhe pesavam como sacos cheios <strong>de</strong> areia molhada. Bateuà porta <strong>de</strong> Jo e encostou-se à pare<strong>de</strong> do alpendre, enquanto aguardava queesta lhe abrisse a porta. Quantas vezes estivera ela ali?Jo abriu a porta, com um dos bebés encostado ao ombro. Tinha umamão a apoiar-lhe a cabeça e mantinha-o seguro com o queixo e o antebraço.Na outra mão, trazia um biberão. Alice beijou-a, sentindo uma mistura <strong>de</strong>cheiros do bolçar do bebé e do pó <strong>de</strong> talco.— Entra — convidou Jo, Encolheu-se <strong>de</strong> encontro ao carrinho <strong>de</strong> bebéduplo, que lhe atravancava a entrada, e levou-a para a cozinha. O segundogémeo encontrava-se num berço portátil, em cima da mesa. Estava acordado,com os olhos negros a mirar as sombras que passavam por cima <strong>de</strong>le, notecto. — Queres uma chávena <strong>de</strong> chá? Ou vinho?— Sabia-me muito bem uma chávena <strong>de</strong> chá, obrigada — disse Alice.Achava que não ia conseguir reter o vinho, embora o efeito entorpecente doálcool até viesse a calhar. — Posso pegar nele?Jo passou-lhe imediatamente o bebé. Este franziu e pestanejou na direcção<strong>de</strong> Alice, que sentia que o estava a agarrar com aquele cuidado hirto e intranquilo<strong>de</strong> quem não tem qualquer prática. Ele reagiu, ficando igualmentetenso e voltando o rosto franzido para cima, preparando-se para chorar.49
- Page 2: T í t u l o : Sol à Meia-NoiteA u
- Page 5 and 6: Capítulo UmO vento soprava da dire
- Page 7 and 8: ficar para o dia seguinte, o que eq
- Page 9 and 10: Ele não sabia onde iria estar quan
- Page 11 and 12: — Edith, não percebo porque est
- Page 13 and 14: alcance do outro. A seguir enfrento
- Page 15 and 16: para o mandar suturar. Chegou a ter
- Page 17 and 18: cópteros e das aeronaves a levanta
- Page 19 and 20: A blusa da rapariga ergueu-se um po
- Page 21 and 22: do com a sua experiência, a arte e
- Page 23 and 24: pequena mesa rústica, e ainda uma
- Page 25 and 26: Nessa manhã, Margaret respondia a
- Page 27 and 28: tiu que a filha a conduzisse suavem
- Page 29 and 30: são. — Tratava-se sempre da tele
- Page 31 and 32: disposição as infra-estruturas de
- Page 33 and 34: posta, nem teses sem provas. Gostav
- Page 35 and 36: nente científica respeitável; pro
- Page 37 and 38: tas, como um desafio de despedida.
- Page 39 and 40: — Sabes uma coisa, Al? Quando sor
- Page 41 and 42: Alice ficou completamente petrifica
- Page 43 and 44: Capítulo Quatro— A tua mãe não
- Page 45: puxava o fecho das calças. Depois,
- Page 49 and 50: cer e começar a correr por todo o
- Page 51 and 52: nados numa sociedade em desintegra
- Page 53 and 54: de poder vir de avião para casa, a
- Page 55 and 56: soa estranha que escutasse o que se
- Page 57 and 58: De repente, viram uma enfermeira a
- Page 59 and 60: dido coisa alguma. Tudo quanto fize
- Page 61 and 62: Capítulo CincoCom a aproximação
- Page 63 and 64: pela cabina de rádio-transmissão,
- Page 65 and 66: pessoas. No quarto reservado ao alo
- Page 67 and 68: O céu tinha escurecido, estando ag
- Page 69 and 70: O céu carregara-se entretanto de n
- Page 71 and 72: Parecia ter-se já estabelecido que
- Page 73 and 74: Capítulo SeisAlice estava de pé,
- Page 75 and 76: As paredes do átrio da Sullavanco
- Page 77 and 78: Por detrás das janelas fumadas da
- Page 79 and 80: sobre ela, como se isso lhe transmi
- Page 81 and 82: a exploração e a descoberta cient
- Page 83 and 84: — O que posso eu fazer? — pergu
- Page 85 and 86: — Oh, Deus — exclamou Becky, co
- Page 87 and 88: chas acastanhadas eram as suas pró
- Page 89 and 90: vazia - tudo o que não necessitava
- Page 91 and 92: um milhão de centros nervosos.Porq
- Page 93 and 94: dos CDs. Comeu muito pouco, mas est
- Page 95 and 96: Heathrow a piscar à distância. Tr