Alice tinha <strong>de</strong>sdramatizado a situação. Dissera a Trevor e a Margaretque ela e Pete tinham apenas optado por seguir caminhos diferentes.— Não, vou porque me parece ser uma boa i<strong>de</strong>ia. — As duas mantinhamaté então um acordo silencioso, na base do qual a partida <strong>de</strong> Alice eraencarada como uma coisa trivial. — São só cinco meses. Aconteça o queacontecer, não irá <strong>de</strong>morar muito e a seguir regresso a casa. Volto para oDepartamento e para as investigações <strong>de</strong> campo na Turquia e na Islândia.Margaret ergueu os braços, enquanto Alice lhe enfiava a camisa pelacabeça, afirmando quase para si própria — Não é uma questão <strong>de</strong> tempo.Vais enten<strong>de</strong>r-me, quando lá chegares e verificares que não existe maneira<strong>de</strong> te libertares. Irás olhar para a tua vida a cada instante através <strong>de</strong>sse prisma.Através <strong>de</strong> um véu <strong>de</strong> pó <strong>de</strong> diamante.— O que é isso?— A precipitação do ar cristalino e gelado. Abaixo dos -40ç formam-secristais <strong>de</strong> gelo por nucleação espontânea, e estes <strong>de</strong>positam-se normalmenteatravés <strong>de</strong> pequenas <strong>de</strong>flagrações. Tempesta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pontinhos reluzentes<strong>de</strong> gelo, que caem <strong>de</strong> um céu azul. Um encanto.Margaret recostou-se sobre as almofadas. Alice sentou-se ao seu ladoe <strong>de</strong>ram as mãos.— Vou pensar em ti, na altura em que o pó <strong>de</strong> diamante estiver a cair— acrescentou Margaret, com o tom da mais profunda satisfação na suavoz. Não recomendou à filha que tivesse cuidado, nem insistiu para que elavoltasse para casa em segurança. Alice sabia que a mãe lhe estava a ofereceraquilo que fora a melhor e a maior experiência da sua vida. Um gesto queencerrava, em simultâneo, uma expansivida<strong>de</strong> e um egoísmo profundo, masque, por isso mesmo, expressava perfeitamente a natureza <strong>de</strong> Margaret.Curvou-se e beijou a mãe na fronte. Esta tinha os olhos quase fechados.— Obrigada — murmurou Alice. — Também irei pensar em si, nomomento em que o pó <strong>de</strong> diamante cair.Trevor levou-a até ao aeroporto, para apanhar o voo nocturno paraSão Paulo, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> apanharia o avião para Santiago e, em seguida, o outropara Punta Arenas na extremida<strong>de</strong> do Chile. Aí, iria embarcar num navioespanhol <strong>de</strong> abastecimento, fazendo uma viagem <strong>de</strong> três dias ao longo dosmares revoltosos da passagem <strong>de</strong> Drake, até à península da Antárctida eà estação <strong>de</strong> Kandahar. Richard e os restantes membros da expedição tinham-naprecedido duas semanas antes. Na sua condição <strong>de</strong> membro retardatário,esta viagem tormentosa fora o melhor que a Direcção Polar lheconseguira arranjar.Não falaram muito ao longo do percurso, até verem as luzes <strong>de</strong>96
Heathrow a piscar à distância. Trevor fora, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, um condutor assustadoramenterápido.— Como te sentes? — perguntou ele.— Sinto-me uma impostora. Não sou a mãe, nem uma pioneira ouuma exploradora. Receio o que possa vir a acontecer lá e que alguém metoque no ombro e diga “<strong>de</strong>sculpe, nós estávamos à espera <strong>de</strong> MargaretMather.” Tenho medo <strong>de</strong> os <strong>de</strong>sapontar. — E <strong>de</strong> me <strong>de</strong>sapontar a mim própria,po<strong>de</strong>ria ela acrescentar, ainda que a i<strong>de</strong>ia nunca a tivesse assaltado nomeio <strong>de</strong> todas as suas expectativas.Trevor retirou a mão do volante para lhe dar uma palmadinha no joelho,ao mesmo tempo que ultrapassava um camião, e Alice encolheu-se noseu assento.— Nunca penses nisso — or<strong>de</strong>nou. — Jamais serás uma impostora.Ela sorriu e ele voltou a colocar a mão no volante, endireitando <strong>de</strong>novo o carro.— Vamos ver — con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>u. Deixava muita coisa para trás, mastransportava consigo o amor do pai, um laço tão harmonioso e consistentecomo o fio <strong>de</strong> seda <strong>de</strong> uma aranha.Despacharam a bagagem e foram tomar um café num dos bares <strong>de</strong>primentesdo Terminal Três. Trevor tinha-lhe comprado um monte <strong>de</strong> jornaise <strong>de</strong> revistas, e as asas do saco <strong>de</strong> plástico cravavam-se nos <strong>de</strong>dos, enquantoos dois <strong>de</strong>ambulavam para matar o tempo. Ela pensou que nunca o tinhaamado tanto como agora.— Como é que foi, ao vê-la partir há tantos anos atrás?— Sentia-me tentado a implorar-lhe que não partisse. Por isso, ficavacontente quando ela se ia embora e eu tinha resistido a fazer essa súplica.Limitava-me então a esperar que ela voltasse.Se queres conservar alguém, primeiro dá-lhe liberda<strong>de</strong>.Trevor ficou imóvel junto à porta <strong>de</strong> embarque, a observá-la na filapara a apresentação do passaporte. Alice voltou-se para trás, antes <strong>de</strong> passarà frente do painel que a iria ocultar da sua vista.Atirou-lhe um beijo e o pai ergueu a mão.Depois seguiu em frente, <strong>de</strong>saparecendo-lhe da vista, em direcção àzona <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> metais e ao distante Sul.Entre a névoa e os salpicos <strong>de</strong> água, as instalações <strong>de</strong> Kandahar pareciamir crescendo.Ao olhar <strong>de</strong> novo para lá, Alice avistou uma linha <strong>de</strong> rochedos negrose a zona <strong>de</strong> rebentação. No meio do nevoeiro, <strong>de</strong>spontava um cais e doisoutros homens vestidos com impermeáveis laranja. Um <strong>de</strong>les, curiosamente,abria a boca num largo sorriso. O outro assobiava, como se aquela fosse97
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alcance do outro. A seguir enfrento
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cópteros e das aeronaves a levanta
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são. — Tratava-se sempre da tele
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posta, nem teses sem provas. Gostav
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nente científica respeitável; pro
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tas, como um desafio de despedida.
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— Sabes uma coisa, Al? Quando sor
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Alice ficou completamente petrifica
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