uma palhinha <strong>de</strong> cores festivas. Sorveu-a <strong>de</strong>moradamente e quase sufocoucom a intensida<strong>de</strong> do sabor. O álcool inebriou-lhe <strong>de</strong> imediato os sentidos.Becky vestia uma camisa <strong>de</strong> estilo militar, com bolsos, botões e dragonas,mas o tecido era contraditoriamente <strong>de</strong> cetim coleante. O modo comoa luz ali incidia e se reflectia em diferentes cambiantes pren<strong>de</strong>u a atenção<strong>de</strong> Alice. Recordou-se que Pete costumava associar as cores à comida ou aosexo.Olha para esta cor-<strong>de</strong>-carmim, repara neste amarelo-açafrão. Nãoqueres comê-lo? Não sentes o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> o lamber?— Alice? Tu está bem?— Sim, estou óptima. Preciso só <strong>de</strong> me habituar à i<strong>de</strong>ia.— Então vamos falar sobre isso. Conta-me tudo. — O interesse <strong>de</strong>Becky sobre a vida das outras pessoas era tão intenso como o que <strong>de</strong>dicavaà sua própria vida.Alice falou-lhe <strong>de</strong> Richard Shoesmith, da lista <strong>de</strong> nomes e da partilha<strong>de</strong> trabalhos, e <strong>de</strong> tudo o que tinha <strong>de</strong> fazer antes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r partir. Ao mesmotempo, pensava que <strong>de</strong>ixava para trás tudo quanto conhecia, para ir paraum sítio ao qual tinha sempre voltado <strong>de</strong>liberadamente as costas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quese lembrava.Acontecerá o mesmo na vida das outras pessoas, pensava ela? A partida,a mudança e a aleatorieda<strong>de</strong> que pareciam nunca a ter afectado a ela,mas apenas às pessoas que conhecia? E ainda a série <strong>de</strong> acontecimentos ecoincidências que se tinham cruzado uns com os outros, e a sensação <strong>de</strong>que o que era impossível num momento se tornara inevitável no outro?— E em relação à casa? — perguntava Becky.— Oh, vou <strong>de</strong>ixá-la durante o próximo ano académico – respon<strong>de</strong>uAlice, <strong>de</strong>cidindo nesse preciso momento. — Talvez acabe por viajar durantealguns meses, quando regressar. Seria uma pena não o fazer, não achas?Nunca estive na América do Sul.Becky olhava para ela. — E em relação a Pete?— Não há muito a dizer. Ele já se mudou.— Só isso?Enquanto Margaret estivera gravemente doente, Alice tinha ficado nacasa <strong>de</strong> Boars Hill. Pete telefonava uma e outra vez, e ao ver que ela não queriafalar com ele, tinha aparecido subitamente, numa tar<strong>de</strong>, no seu gabinete.Ao levantar a cabeça da secretária, <strong>de</strong>parara com ele no limiar da porta. Oucom uma versão <strong>de</strong>le, com a barba mais <strong>de</strong>smazelada do que era costumee o cabelo ainda mais <strong>de</strong>salinhado e alvoraçado. Trazia um ramo <strong>de</strong> rosas,em vermelho escuro.— Pete, não faças isso.84
— O que posso eu fazer? — perguntou-lhe ele. — Não me queres ver,recusas-te a falar comigo. Não me <strong>de</strong>ixas explicar aquilo que aconteceu.Olhou à sua volta, para enfiar <strong>de</strong> seguida as flores num jarro que elausava para regar as plantas dos vasos. Atirou-se para a única ca<strong>de</strong>ira vazia ecolocou a cabeça entre as mãos. O cabelo erguia-se hirsuto, como se tivessepassado os <strong>de</strong>dos por ele, vezes sem conta, num <strong>de</strong>sespero permanente. Éclaro que Pete iria transformar a rejeição no amor, numa peça <strong>de</strong> arte perfomativa.De acordo com os seus princípios, iria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se barbear, comerou dormir.— Não consigo dormir. Perdi o meu apetite. Alice, isto não tem graça.Porque tens <strong>de</strong> ser tão exasperantemente empírica em tudo? Eu amo-te esinto a tua falta, e é isso o que importa. Quero que voltes para casa.— Pete, eu fui ao teu atelier e vi-te no meio <strong>de</strong> uma cena <strong>de</strong> sexo oralcom uma das tuas alunas. A mesma com quem te tinha visto no rio e amesma que estavas a beijar na nossa festa. Por outro lado, Harry viu-te numpub, próximo <strong>de</strong> Bicester, a beijar uma pessoa inteiramente diferente...— O quê? Não me parece que isso seja possível. Em <strong>de</strong>z anos nuncaestive num sítio próximo da maldita Bicester.−…sou empírica se interpretares assim a minha reacção em sequênciaà minha observação. De que outra maneira po<strong>de</strong>ria reagir àquela evidência?“Oh, vejam, está ali Peter com a Georgia. Aquilo que ele está a fazer éuma prova do seu amor por mim”.— Não consigo suportar esse teu modo assim tão sarcástico. Isso nãocondiz contigo.— De facto, já <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> me interessar aquilo que consegues ou nãosuportar em mim.— Alice, por favor. — Ergueu-se e aproximou-se <strong>de</strong>la. Enlaçou-a etentou puxá-la para si. Depois, ro<strong>de</strong>ou-lhe a cabeça com a palma da mãoe acariciou-lhe o cabelo. Teria sido fácil, sabendo como sentia tão intensamentea falta do seu calor e do seu cheiro, entregar-se, enterrar a cabeça noseu ombro e fingir que acreditava nele. Mas tudo não passaria <strong>de</strong> uma farsae Alice preferia os factos objectivos às especulações mais coloridas e persuasivasem relação à verda<strong>de</strong>.— Quero que te mu<strong>de</strong>s. Vou ficar em casa dos meus pais, até o fazeres.Dispões do tempo que precisares para encontrar outro sítio, mas esse é omeu <strong>de</strong>sejo.O rosto <strong>de</strong>le mudou <strong>de</strong> expressão.Sob a capa do remorso existira uma autoconfiança, porque ele partirado princípio que ia conseguir <strong>de</strong>molir as suas resistências. Ao constatar isso,Alice sentiu-se ainda mais abatida. Se ele assim o pensava, era óbvio quePete nunca a tinha conhecido verda<strong>de</strong>iramente. Tinham partilhado uma85
- Page 2:
T í t u l o : Sol à Meia-NoiteA u
- Page 5 and 6:
Capítulo UmO vento soprava da dire
- Page 7 and 8:
ficar para o dia seguinte, o que eq
- Page 9 and 10:
Ele não sabia onde iria estar quan
- Page 11 and 12:
— Edith, não percebo porque est
- Page 13 and 14:
alcance do outro. A seguir enfrento
- Page 15 and 16:
para o mandar suturar. Chegou a ter
- Page 17 and 18:
cópteros e das aeronaves a levanta
- Page 19 and 20:
A blusa da rapariga ergueu-se um po
- Page 21 and 22:
do com a sua experiência, a arte e
- Page 23 and 24:
pequena mesa rústica, e ainda uma
- Page 25 and 26:
Nessa manhã, Margaret respondia a
- Page 27 and 28:
tiu que a filha a conduzisse suavem
- Page 29 and 30:
são. — Tratava-se sempre da tele
- Page 31 and 32: disposição as infra-estruturas de
- Page 33 and 34: posta, nem teses sem provas. Gostav
- Page 35 and 36: nente científica respeitável; pro
- Page 37 and 38: tas, como um desafio de despedida.
- Page 39 and 40: — Sabes uma coisa, Al? Quando sor
- Page 41 and 42: Alice ficou completamente petrifica
- Page 43 and 44: Capítulo Quatro— A tua mãe não
- Page 45 and 46: puxava o fecho das calças. Depois,
- Page 47 and 48: conseguir descobrir a lógica que a
- Page 49 and 50: cer e começar a correr por todo o
- Page 51 and 52: nados numa sociedade em desintegra
- Page 53 and 54: de poder vir de avião para casa, a
- Page 55 and 56: soa estranha que escutasse o que se
- Page 57 and 58: De repente, viram uma enfermeira a
- Page 59 and 60: dido coisa alguma. Tudo quanto fize
- Page 61 and 62: Capítulo CincoCom a aproximação
- Page 63 and 64: pela cabina de rádio-transmissão,
- Page 65 and 66: pessoas. No quarto reservado ao alo
- Page 67 and 68: O céu tinha escurecido, estando ag
- Page 69 and 70: O céu carregara-se entretanto de n
- Page 71 and 72: Parecia ter-se já estabelecido que
- Page 73 and 74: Capítulo SeisAlice estava de pé,
- Page 75 and 76: As paredes do átrio da Sullavanco
- Page 77 and 78: Por detrás das janelas fumadas da
- Page 79 and 80: sobre ela, como se isso lhe transmi
- Page 81: a exploração e a descoberta cient
- Page 85 and 86: — Oh, Deus — exclamou Becky, co
- Page 87 and 88: chas acastanhadas eram as suas pró
- Page 89 and 90: vazia - tudo o que não necessitava
- Page 91 and 92: um milhão de centros nervosos.Porq
- Page 93 and 94: dos CDs. Comeu muito pouco, mas est
- Page 95 and 96: Heathrow a piscar à distância. Tr