— Será que sim? — Parecia uma criança a colocar a questão.— Sim — afirmou Alice com uma tremura na voz.No seu quarto, Jo e Harry preparavam-se para se <strong>de</strong>itar. Um dos bebésdormia, enquanto o outro chorava <strong>de</strong> cada vez que Jo o tentava <strong>de</strong>itar. Aolongo da noite, iriam alternar-se um ao outro na mesma rotina. Por norma,quando Harry tinha <strong>de</strong> trabalhar no dia seguinte, acabava por dormirno quarto vago, mas nessa noite Alice encontrava-se lá. Jo caminhava numpasso ca<strong>de</strong>nciado, para a frente e para trás, a embalar o bebé e tentar persuadi-loa adormecer.— Ela é muito rigorosa. Não é exactamente <strong>de</strong>sprendida ou fria. Masnão vacila nem muda <strong>de</strong> opinião. Se <strong>de</strong>cidiu que está tudo acabado comPete, então é porque está mesmo.Harry <strong>de</strong>scalçou as meias, enrolou-as numa bola e lançou-as para ocesto da roupa suja. — Ah, sim? Então provavelmente isso será o melhor.— Talvez. Mas não tenho a certeza disso. Ela parecia ser feliz ao lado<strong>de</strong> Pete. Ele compensava a sua maneira <strong>de</strong> ser metódica. Tornava-a maisespontânea.Harry <strong>de</strong>itou-se e fechou os olhos. — Não vens para a cama?Jo sorriu, sentou-se na borda da cama e girou sobre si mesma paraapoiar as costas na cabeceira, continuando a embalar o bebé. Sentia vonta<strong>de</strong><strong>de</strong> falar com Harry para ambos reunirem os acontecimentos e as impressõesdo dia. Apenas durante uns <strong>de</strong>z minutos, antes <strong>de</strong> ela penetrar no túnelemu<strong>de</strong>cido <strong>de</strong> mais uma noite, em que todos os seres com vida pareciam estaradormecidos, à excepção <strong>de</strong> ela própria e <strong>de</strong> um, ou <strong>de</strong> ambos os bebés.— Al é a minha melhor amiga. Mas por vezes, parece-me que não aconheço bem. Quer dizer, eu nunca tive provas disso, mas sob aquela lógicafria po<strong>de</strong> bater um coração apaixonado. Não te parece?Não obteve resposta. Ao olhar para ele, viu que Harry já mergulharano sono.* * *Alice foi para casa, para trocar <strong>de</strong> roupa. Pete tinha estado lá. Apercebeusedisso porque havia migalhas no balcão e um prato e uma faca no lavaloiças,mas não encontrou outros vestígios. Nem havia qualquer mensagem,levando-a a pensar que tudo o que lhe pertencia permanecera nos locais habituais.Este foi o seu único pensamento e ele <strong>de</strong>svaneceu-se logo <strong>de</strong> seguida.A última conversa que tivera ao telefone com Trevor tinha-a <strong>de</strong>ixado comuma enorme ansieda<strong>de</strong> no peito. Margaret passara uma noite difícil e estavacom dificulda<strong>de</strong>s respiratórias. Existiam até dúvidas sobre a possibilida<strong>de</strong>54
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r vir <strong>de</strong> avião para casa, ainda que ela insistisse que era essa a suavonta<strong>de</strong>. Alice propusera ao pai encontrar-se com eles no aeroporto, masTrevor tinha-lhe dito que já pedira uma ambulância particular. Margaretiria ser transportada directamente do aeroporto para o hospital.— Se calhar estamos a preocupar-nos <strong>de</strong>masiado. Mas isso não temqualquer problema, pois não? — questionara Trevor.— Não. Claro que não — respon<strong>de</strong>ra Alice. Partilhavam agora umaespécie <strong>de</strong> pacto do facto consumado, em que ambos fingiam ser aquela aforma normal <strong>de</strong> terminar umas férias.O avião partiu, com Margaret e Trevor a bordo. Era ainda muito cedopara Alice ir ao hospital ao seu encontro. Lavou o prato e a faca <strong>de</strong> Pete e arrumou-os,e a seguir pôs-se a <strong>de</strong>ambular pela casa. Parecia-lhe ligeiramenteestranha, como se tivesse estado mais tempo afastada que apenas uma noite.As louças que <strong>de</strong>coravam os armários e os livros nas estantes pareciam terperdido a importância, como se já os visse através do véu distante da história.Uma hora <strong>de</strong>pois sentiu-se incapaz <strong>de</strong> aguentar por mais tempo aquelesilêncio. Trancou a porta da frente e dirigiu-se ao Departamento. Poucosminutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lá chegar, o Professor Devine assomou à porta do gabinetepara lhe colocar uma questão sobre a acta da reunião do orçamento.Ela contou-lhe o que acontecera a Margaret e ele tirou os óculos e voltou acolocá-los, num sinal <strong>de</strong> consternação que percebeu ser habitual nele, masem que reparava pela primeira vez. Ao seu redor, tudo adquiria uma clarividênciaassustadora que a fazia quase sentir-se agoniada.— Se houver alguma coisa que Helen e eu possamos fazer, seja o quefor — murmurava o Professor.Ela não morreu, pensava Alice, enquanto agra<strong>de</strong>cia, com uma expressãoséria, aquelas manifestações <strong>de</strong> pesar. Ela não vai morrer.Por fim, passado muito tempo, Trevor voltou a telefonar. Estavam naambulância e Margaret piorara durante o voo. Ele já <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> tentar sugerirque não havia motivos para preocupações. Neste momento o seu pactopassava por levar Margaret para o hospital o mais rápido possível.— Encontro-me lá com vocês — disse Alice. Saiu do gabinete e seguiupara o hospital, sentando-se na sala <strong>de</strong> espera das Urgências. Pôs-se aobservar as pessoas que iam passando ou se sentavam à sua volta <strong>de</strong> olharabsorto. Sob a abóbada da zona <strong>de</strong> chegadas, apareceu uma ambulância,com a luz azul a piscar vagarosamente. A equipa <strong>de</strong>sdobrou os <strong>de</strong>graus dastraseiras, mas tratava-se <strong>de</strong> uma mulher jovem com um bebé que, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> ser ajudada a <strong>de</strong>scer, se encaminhou rapidamente para o interior. Ameia hora seguinte passou <strong>de</strong>vagar, até aparecer um carro branco e comprido,<strong>de</strong> vidros fumados. Da parte traseira, saía uma maca, que foi <strong>de</strong>pois55
- Page 2: T í t u l o : Sol à Meia-NoiteA u
- Page 5 and 6: Capítulo UmO vento soprava da dire
- Page 7 and 8: ficar para o dia seguinte, o que eq
- Page 9 and 10: Ele não sabia onde iria estar quan
- Page 11 and 12: — Edith, não percebo porque est
- Page 13 and 14: alcance do outro. A seguir enfrento
- Page 15 and 16: para o mandar suturar. Chegou a ter
- Page 17 and 18: cópteros e das aeronaves a levanta
- Page 19 and 20: A blusa da rapariga ergueu-se um po
- Page 21 and 22: do com a sua experiência, a arte e
- Page 23 and 24: pequena mesa rústica, e ainda uma
- Page 25 and 26: Nessa manhã, Margaret respondia a
- Page 27 and 28: tiu que a filha a conduzisse suavem
- Page 29 and 30: são. — Tratava-se sempre da tele
- Page 31 and 32: disposição as infra-estruturas de
- Page 33 and 34: posta, nem teses sem provas. Gostav
- Page 35 and 36: nente científica respeitável; pro
- Page 37 and 38: tas, como um desafio de despedida.
- Page 39 and 40: — Sabes uma coisa, Al? Quando sor
- Page 41 and 42: Alice ficou completamente petrifica
- Page 43 and 44: Capítulo Quatro— A tua mãe não
- Page 45 and 46: puxava o fecho das calças. Depois,
- Page 47 and 48: conseguir descobrir a lógica que a
- Page 49 and 50: cer e começar a correr por todo o
- Page 51: nados numa sociedade em desintegra
- Page 55 and 56: soa estranha que escutasse o que se
- Page 57 and 58: De repente, viram uma enfermeira a
- Page 59 and 60: dido coisa alguma. Tudo quanto fize
- Page 61 and 62: Capítulo CincoCom a aproximação
- Page 63 and 64: pela cabina de rádio-transmissão,
- Page 65 and 66: pessoas. No quarto reservado ao alo
- Page 67 and 68: O céu tinha escurecido, estando ag
- Page 69 and 70: O céu carregara-se entretanto de n
- Page 71 and 72: Parecia ter-se já estabelecido que
- Page 73 and 74: Capítulo SeisAlice estava de pé,
- Page 75 and 76: As paredes do átrio da Sullavanco
- Page 77 and 78: Por detrás das janelas fumadas da
- Page 79 and 80: sobre ela, como se isso lhe transmi
- Page 81 and 82: a exploração e a descoberta cient
- Page 83 and 84: — O que posso eu fazer? — pergu
- Page 85 and 86: — Oh, Deus — exclamou Becky, co
- Page 87 and 88: chas acastanhadas eram as suas pró
- Page 89 and 90: vazia - tudo o que não necessitava
- Page 91 and 92: um milhão de centros nervosos.Porq
- Page 93 and 94: dos CDs. Comeu muito pouco, mas est
- Page 95 and 96: Heathrow a piscar à distância. Tr