como cientista era insuficiente e ele sempre tivera consciência <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>ficiência.Em vez disso, <strong>de</strong>dicara-se a apoiar a sua <strong>de</strong>stemida mulher e nisso o seucasamento era perfeito. Ao longo da infância <strong>de</strong> Alice, Margaret ausentava--se com frequência, mas Trevor estava sempre presente. Os dois formavamum par solidário, que se movia em silêncio durante as vigílias <strong>de</strong> Margaret.Fazia já <strong>de</strong>z anos que Trevor se aposentara. Ocupava o seu tempo com leituras,palavras cruzadas, a jardinagem e as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Margaret.O olhar <strong>de</strong> Alice cruzou-se com o <strong>de</strong>le. Não precisavam <strong>de</strong> falar. Aolongo dos anos tinham <strong>de</strong>senvolvido uma linguagem silenciosa própria. Amensagem daquele dia era a <strong>de</strong> não fazer ondas.— Não a percebo — <strong>de</strong>clarou Margaret. — Eu pensava que ela iriaaceitar esta proposta logo a correr.— Ah — comentou Trevor.Todos sabiam que Margaret sabia que Alice não iria fazer uma coisadaquelas, mas partira do princípio <strong>de</strong> que teria capacida<strong>de</strong> para vencer asua resistência.— Dispões <strong>de</strong> alguns dias para pensar sobre isto, Alice. Vou dizer aLewis que está a reflectir seriamente sobre este assunto. Ninguém estava acontar que tomasses a tua <strong>de</strong>cisão logo no próprio instante. Embora fosseisso o que eu faria. Po<strong>de</strong>mos falar melhor do assunto quando regressarmos<strong>de</strong>stas férias. — Pronunciou a última palavra como se falasse do Gulag ou<strong>de</strong> uma câmara <strong>de</strong> tortura.O olhar trocado entre Alice e Trevor dizia, é melhor abafar isto à nascença.Alice respirou fundo. — Mãezinha, eu não quero ir para a Antárctida.Lamento estragar uma história bonita e, ao mesmo tempo, virar-lhe as costas,mas eu não vou. Isto não se enquadra nos meus planos.Aquela tirada não lhe saiu como <strong>de</strong>via ser. Tencionava dizê-la <strong>de</strong> formaanimada, mas acabou por falar num tom pouco firme e impertinente, oque acontecia com <strong>de</strong>masiada frequência quando era obrigada a entrar emconflito directo com a mãe.— Dá-me só uma razão para a tua recusa — insistiu Margaret. Assimpodia arranjar logo forma <strong>de</strong> a rebater.Alice pensou que existiam várias razões, mas que estas se podiamagrupar sob uma só. — Porque estou feliz on<strong>de</strong> vivo — disse suavemente.Reflectia sobre os momentos em que estivera sentada ao sol, na tar<strong>de</strong>anterior, a comer scones enquanto ouvia Peter e Mark. Recordava a luz doquarto fresco e o calor dos lábios <strong>de</strong> Peter na sua pele. Essa noite, a sua casairia encher-se <strong>de</strong> amigos e música. Ela sabia on<strong>de</strong> estaria e o que faria nasemana seguinte, e na semana a seguir a essa. A or<strong>de</strong>m e as certezas eramimportantes para ela. Não gostava <strong>de</strong> colocar questões que não tivessem res-34
posta, nem teses sem provas. Gostava do seu trabalho, adorava-o até, masnão queria torná-lo na única razão da sua existência. A Antárctida era o<strong>de</strong>sconhecido e Alice preferia o mundo conhecido.As sobrancelhas <strong>de</strong> Margaret estavam unidas uma à outra e ela colocaraa cabeça <strong>de</strong> lado, como costumava fazer quando reflectia sobre umproblema. — Não estou a ver o que a felicida<strong>de</strong> tem a ver com seja o que for– disse, por fim.Não, comentou Alice para si própria.Para a mãe as obras eram concretizadas, tendo como base as melhorescapacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada um e o aperfeiçoamento das mesmas. Não tinha medo,nem quaisquer dúvidas. Nem se importava com o conforto próprio, muitomenos quando havia um fim em vista., Na sua lista <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s a felicida<strong>de</strong>ocupava um lugar muito abaixo. Era isso o que Alice achava emborapensasse agora, ligeiramente surpreendida, que as duas nunca tinham faladosobre o assunto.— Lamento — repetiu.Trevor tacteava os bolsos do casaco <strong>de</strong> tweed, à procura dos cigarros.Por imposição <strong>de</strong> Margaret, ele fumava apenas no exterior da casa, e esta eraa sua forma <strong>de</strong> manifestar conscientemente o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sair da sala.— Vou fazer café.— Ainda é cedo para tomarmos um cálice <strong>de</strong> xerez?Trevor e Alice falaram os dois ao mesmo tempo, num tom efusivo.Margaret levantou-se com dificulda<strong>de</strong> e dirigiu-se vagarosamente para asua mesa. Sentou-se <strong>de</strong> costas direitas, em frente ao teclado, aconchegandoao corpo o casaco <strong>de</strong> malha folgado.Decepcionei-a, pensava Alice. Isso não era um facto novo. Avançourapidamente para se colocar por <strong>de</strong>trás da ca<strong>de</strong>ira da mãe, ro<strong>de</strong>ando-lhe osombros com as mãos carinhosas.— Tomo uma chávena <strong>de</strong> café, obrigada.Mais tar<strong>de</strong>, Alice e Trevor passeavam no jardim.Tinham <strong>de</strong>scido o conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus atapetados a musgo, até alcançarema sebe que separava aquela proprieda<strong>de</strong> da do vizinho. Ao canto dasebe havia uma figueira-do-egipto que produzia <strong>de</strong>masiada sombra, peloque nada crescia <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>la. A terra estava seca e nua, e cheirava a gato.Encostaram-se ao tronco irregular a fumar e a olhar para a casa <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>samarelecidas, ao cimo do jardim. Esta era <strong>de</strong>masiado gran<strong>de</strong> para duas pessoas<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e tinha adquirido um aspecto <strong>de</strong>scuidado. Nos caixilhos dasjanelas, a pintura estava já a <strong>de</strong>scascar e havia uma longa faixa <strong>de</strong> humida<strong>de</strong>no reboco, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> um algeroz roto.Trevor traçou um sulco na terra com a ponta do sapato. — Tens a certeza?— perguntou, em jeito <strong>de</strong> tentativa.35
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— O que posso eu fazer? — pergu
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— Oh, Deus — exclamou Becky, co
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chas acastanhadas eram as suas pró
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vazia - tudo o que não necessitava
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um milhão de centros nervosos.Porq
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dos CDs. Comeu muito pouco, mas est
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Heathrow a piscar à distância. Tr