Capítulo DoisO dia estava quente e tranquilo. Sob as árvores majestosas formavam-segran<strong>de</strong>s manchas <strong>de</strong> sombras e o rio reflectia a luz como uma folha amarrotada<strong>de</strong> papel <strong>de</strong> estanho. Atraída pela luminosida<strong>de</strong> do dia, Alice Peelabandonou a sua secretária num impulso e saiu em direcção aos parques daUniversida<strong>de</strong>. Caminhava <strong>de</strong>vagar, <strong>de</strong>ixando que o sol lhe batesse no cimoda cabeça e na nuca. De uma vez, ergueu os braços à sua frente, reparando,abstracta, na pali<strong>de</strong>z da pele. Era um dia <strong>de</strong> trabalho e parecia-lhe estranho,embora marcadamente agradável, andar por ali a vaguear a meio da tar<strong>de</strong>.Naquele local havia poucas pessoas <strong>de</strong>ambulando ou reduzidas a pequenospontos ociosos, que se <strong>de</strong>stacavam no meio dos amplos relvados. Ainda faltavaquase um mês até os estudantes regressarem e o novo ano escolar voltara engrenar.O cheiro da relva cortada misturava-se com o pó do caminho. Foraum Verão quente e as folhas tinham os bordos manchados <strong>de</strong> castanho. Aoolhar <strong>de</strong> relance para o céu azul, viu um rasto <strong>de</strong>senhado pela silhueta minúscula<strong>de</strong> um avião. Meditou por instantes sobre o <strong>de</strong>stino do avião, comos seus passageiros e expectativas a bordo. Os pensamentos <strong>de</strong>svaneceram--se suavemente, tal como o rasto <strong>de</strong> vapor se sumia no céu.Quando o caminho <strong>de</strong>sembocou junto ao rio, virou à esquerda paracontornar a curva da margem. À sua frente, a ponte pe<strong>de</strong>stre e o seu reflexoconfundiam-se um com o outro, formando um O, com a parte inferiordifusa, como um olho a piscar. Concentrou-se no ruído dos seus passos eno som arranhado <strong>de</strong> uma música à distância. O som aumentou <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>,enquanto uma chata contornava uma das curvas do rio. Enquadradapelo O da ponte, a barcaça imprimia na água sulcos cor <strong>de</strong> estanho e <strong>de</strong>ver<strong>de</strong>-azeitona, à medida que se aproximava. Uma rapariga impelia-a vigorosamentecom a vara. Ao erguê-la entre os vários impulsos, escorreram--lhe do braço gotículas <strong>de</strong> água, que foram salpicar os bordos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>irae caíram na superfície da água, como gotas <strong>de</strong> prata. Os quatro ou cincopassageiros da chata, reclinados sobre almofadas, riam-se para ela. As vozescruzavam-se com a música.20
A blusa da rapariga ergueu-se um pouco, <strong>de</strong>ixando ver uma tatuagemno ventre. A embarcação estava suficientemente próxima para Alice conseguirdistinguir a imagem <strong>de</strong> uma borboleta, antes <strong>de</strong> reconhecer que eraPeter o homem sentado na proa achatada, <strong>de</strong> costas para ela. Lá estava oseu cabelo espesso, com o seu corpo bem <strong>de</strong>lineado e a camisa <strong>de</strong>sbotadaque ela tinha lavado na véspera e pusera a secar no jardim das traseiras.Recostava-se para trás e apoiava o peso do corpo sobre as mãos espalmadas.Aquela visão inesperada fez com que o seu coração saltasse.A chata aproximara-se mais. As vozes e as risadas cresciam <strong>de</strong> tom, sobrepondo-seà estridência da música. A rapariga da vara não <strong>de</strong>u por ela. Alonga embarcação <strong>de</strong>slizou à sua frente, <strong>de</strong>spertando um cheiro vivo a lodoe a plantas, misturado com o da tinta do casco.Peter moveu languidamente a cabeça e em seguida <strong>de</strong>scobriu Alice, jáa retroce<strong>de</strong>r na margem do rio. Abandonou a sua posição e esticou-se — Al!Eh, Al!Pôs-se <strong>de</strong> pé, a agitar os braços na sua direcção. A chata oscilou perigosamente,enquanto ele se tentava equilibrar <strong>de</strong>scalço, sobre a ma<strong>de</strong>iraescorregadia. Ela notou-lhe um brilho breve <strong>de</strong> surpresa, como um sinaldissonante no rasgar imediato do seu sorriso.— Aaaaa-al — gritou ele outra vez. No momento seguinte, preparavaum salto, dobrando os joelhos sob o queixo, parecendo que o seu sorrisopairava no ar, quando o corpo atingiu a água. Uma pequena nuvem <strong>de</strong> espumabrilhante cruzou o espaço, acompanhada pelos gritinhos dos passageirosda chata. A rapariga não gritou. Ficou parada, a olhar para trás, porcima do ombro, <strong>de</strong>scansando o peso sobre uma das ancas e formando como corpo uma curva grácil que se <strong>de</strong>stacava do fundo <strong>de</strong> salgueiros na margemoposta. A vara pendia-lhe imóvel da mão.A cabeça <strong>de</strong> Peter emergiu à superfície e ele nadou em direcção a Alice.Um minuto <strong>de</strong>pois, trepava para a margem. Em seguida, a rir e a escorrerágua, agitou-se como um cão enorme. A terra ficou salpicada <strong>de</strong> gotas escuras.— Olá — foi a saudação que dirigiu a Alice. — A<strong>de</strong>us! — exclamou,em direcção à chata, enquanto esta se afastava.Sem querer saber da roupa encharcada, Peter ro<strong>de</strong>ou-a com o braço eassentou-lhe um beijo molhado na face.— Pete — disse ela. Não se mostrava surpreendida. A gritaria, o mergulhointempestivo para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> água, tudo era típico <strong>de</strong>le. Mas sentiu-seperturbada ao perceber que lhe faltava a habitual tolerância tranquila, relativamenteao seu comportamento extravagante. O sol, em curva <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte,reflectia-se directamente sobre os seus olhos, levando-a a franzir a testa.— Quem eram eles?21
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— O que posso eu fazer? — pergu
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um milhão de centros nervosos.Porq
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Heathrow a piscar à distância. Tr