xou-se num ponto e <strong>de</strong>pois foi dominado por um terror silencioso. Ergueua mão livre e agarrou convulsivamente na máscara. Puxou-a para fora dacara, murmurando com a voz cava — Vou sufocar. — A pronúncia <strong>de</strong>Yorkshire, acentuava-lhe as vogais: suuufocaaar.Alice aproximou-se <strong>de</strong> um salto. — Não, não vai. Isto ajuda-a a respirar— disse-lhe suavemente.— Mag? Maggie, querida, assim ficas melhor — murmurou Trevor.A cabeça aureolada <strong>de</strong> prata rodou sobre a almofada.— Estão aí? — perguntou Margaret.— Sim — respon<strong>de</strong>ram ambos. Ela moveu a cabeça na direcção <strong>de</strong>Trevor e a seguir para o outro lado, até encontrar os olhos <strong>de</strong> Alice. Estanunca vira antes a sua mãe com medo, mas o rosto <strong>de</strong>sta agora estava lívido.Viam-se gotas <strong>de</strong> suor a inundar-lhe a testa. Respirava ruidosamente, coma boca aberta, enquanto Alice tentava colocar-lhe <strong>de</strong> novo a máscara e ela arejeitava com impaciência.— Quero que faças uma coisa por mim — dirigia-se a Alice. Mesmonas actuais circunstâncias, conseguia conservar um ar <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, maseste soava a falso, como se fosse a insistência vacilante <strong>de</strong> uma criança assustada.— Claro que sim. Eu faço.— Quero…— Margaret parou para respirar. — Quero que vás para oSul. Para a estação <strong>de</strong> Lewis Sullavan.— Não posso ir para lado nenhum, com a mãe assim doente.Margaret agarrou convulsivamente na roupa que a tapava. — Isso não éuma razão. Não é motivo, <strong>de</strong> maneira alguma. Eu vou ultrapassar a situação.Mas quero que tu vás, enquanto dispões <strong>de</strong>ssa oportunida<strong>de</strong>. Por…mim.Fá-lo por mim.Alice compreen<strong>de</strong>u o que ela queria dizer, com a certeza nítida quenasce no momento mais intenso do drama mais profundo. Sabia que iriarecordar este instante e a compreensão exacta dos <strong>de</strong>sejos da mãe. Não haveriaforma <strong>de</strong> negar ou esquecer o que aquilo significava.Margaret olhava para o espectro da sua própria mortalida<strong>de</strong>. Não iriamorrer ali. Ainda não chegara o momento, porque a sua vonta<strong>de</strong> era <strong>de</strong>masiadoforte para <strong>de</strong>ixar que isso acontecesse. Mas sabia finalmente, e <strong>de</strong>forma empírica, que a sua força não era infinita. E queria que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sia sua vida se prolongasse no gelo, on<strong>de</strong> a vivera mais intensamente, atravésda sua única filha.Algures, por <strong>de</strong>trás do compartimento <strong>de</strong> vidro, um telefone tocavainsistentemente. Soavam passadas, os metais emitiam sons ásperos – eramaqueles os sons que ouviam há horas. Alice olhou para Trevor e leu-lhe umasúplica silenciosa no rosto. Em toda a sua vida, Trevor nunca lhe tinha pe-60
dido coisa alguma. Tudo quanto fizera fora amá-las às duas, às suas duasmulheres. O telefone parou <strong>de</strong> tocar, para recomeçar logo a seguir.— Eu vou — afirmou Alice suavemente.O medo dissipou-se do olhar <strong>de</strong> Margaret, substituído por um brilhotriunfante em cor <strong>de</strong> safira. E foi Trevor quem enxugou as lágrimas com ascostas da mão.— Estão lá todos os elementos. A mensagem, na minha caixa <strong>de</strong> correioelectrónico — disse Margaret.— Não se preocupe com isso agora.Treveu ergueu gentilmente a máscara <strong>de</strong> plástico e ajustou-a à boca dasua mulher. Esta assentiu com a cabeça e voltou a fechar os olhos.Às <strong>de</strong>z da noite, quando Trevor começava a <strong>de</strong>scair a cabeça nos cobertoresjunto à mão <strong>de</strong> Margaret, um outro médico veio-lhes dizer comar pesaroso que não haveria um lugar vago na enfermaria, antes da manhãseguinte. A própria Margaret estava adormecida, pelo que Alice levou o paipara sua casa, em Boars Hill. Aqueceu sopa e assim que acabaram <strong>de</strong> comere ela se certificou <strong>de</strong> que ele se já se <strong>de</strong>itara, arranjou a cama no seu antigoquarto. Ficou ali sentada, com os joelhos recolhidos, como fazia quandoera criança, a observar os livros antigos nas prateleiras pintadas <strong>de</strong> branco.Lá estavam O Sul: Memórias da viagem do ‘Endurance’ <strong>de</strong> Shackleton, e ATravessia da Antárctida, <strong>de</strong> Fuchs e Hillary, ambos oferecidos por Margaretem aniversários distintos. Na primeira página, ela escrevera o nome <strong>de</strong> Alicee a data. Agora parecia-lhe distinguir, através daquelas capas duras, a paisagemantárctica, on<strong>de</strong> a realida<strong>de</strong> dos filmes <strong>de</strong> Margaret e a das histórias dosexploradores confluíam num cenário fantástico <strong>de</strong> torres <strong>de</strong> gelo, <strong>de</strong>sertosondulantes <strong>de</strong> neve e fissuras <strong>de</strong> bordos azulados. O vento impelia os véus<strong>de</strong> neve em farrapos, com os uivos a crescerem na sua cabeça, atingindo umcrescendo que <strong>de</strong>spontava num guincho sobrenatural, fundindo-se na vozda mãe e nos trinados dos pinguins.E agora era a Antárctida que a aguardava, com as suas mandíbulas geladasescancaradas.Alice sentou-se muito direita. Dormir estava fora <strong>de</strong> questão. Voltou avestir-se, tiritando <strong>de</strong>vido à atmosfera do quarto não aquecido, e <strong>de</strong>sceu asescadas. A ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Margaret, na mesa <strong>de</strong> abas junto à janela <strong>de</strong> sacada,dava para um buraco negro on<strong>de</strong> antes se via o jardim. Alice preparou umachávena <strong>de</strong> chá e sentou-se em frente ao monitor do computador da mãe.Faz isso, insistia ela para si própria. Tu prometeste. Faz pelo menosisso, antes que o dia <strong>de</strong> amanhã traga outras complicações.Alice teclou no ícone da nova mensagem e começou a escrever.Se assim fosse oportuno, e se estivesse a analisar a situação correc-61
- Page 2:
T í t u l o : Sol à Meia-NoiteA u
- Page 5 and 6:
Capítulo UmO vento soprava da dire
- Page 7 and 8: ficar para o dia seguinte, o que eq
- Page 9 and 10: Ele não sabia onde iria estar quan
- Page 11 and 12: — Edith, não percebo porque est
- Page 13 and 14: alcance do outro. A seguir enfrento
- Page 15 and 16: para o mandar suturar. Chegou a ter
- Page 17 and 18: cópteros e das aeronaves a levanta
- Page 19 and 20: A blusa da rapariga ergueu-se um po
- Page 21 and 22: do com a sua experiência, a arte e
- Page 23 and 24: pequena mesa rústica, e ainda uma
- Page 25 and 26: Nessa manhã, Margaret respondia a
- Page 27 and 28: tiu que a filha a conduzisse suavem
- Page 29 and 30: são. — Tratava-se sempre da tele
- Page 31 and 32: disposição as infra-estruturas de
- Page 33 and 34: posta, nem teses sem provas. Gostav
- Page 35 and 36: nente científica respeitável; pro
- Page 37 and 38: tas, como um desafio de despedida.
- Page 39 and 40: — Sabes uma coisa, Al? Quando sor
- Page 41 and 42: Alice ficou completamente petrifica
- Page 43 and 44: Capítulo Quatro— A tua mãe não
- Page 45 and 46: puxava o fecho das calças. Depois,
- Page 47 and 48: conseguir descobrir a lógica que a
- Page 49 and 50: cer e começar a correr por todo o
- Page 51 and 52: nados numa sociedade em desintegra
- Page 53 and 54: de poder vir de avião para casa, a
- Page 55 and 56: soa estranha que escutasse o que se
- Page 57: De repente, viram uma enfermeira a
- Page 61 and 62: Capítulo CincoCom a aproximação
- Page 63 and 64: pela cabina de rádio-transmissão,
- Page 65 and 66: pessoas. No quarto reservado ao alo
- Page 67 and 68: O céu tinha escurecido, estando ag
- Page 69 and 70: O céu carregara-se entretanto de n
- Page 71 and 72: Parecia ter-se já estabelecido que
- Page 73 and 74: Capítulo SeisAlice estava de pé,
- Page 75 and 76: As paredes do átrio da Sullavanco
- Page 77 and 78: Por detrás das janelas fumadas da
- Page 79 and 80: sobre ela, como se isso lhe transmi
- Page 81 and 82: a exploração e a descoberta cient
- Page 83 and 84: — O que posso eu fazer? — pergu
- Page 85 and 86: — Oh, Deus — exclamou Becky, co
- Page 87 and 88: chas acastanhadas eram as suas pró
- Page 89 and 90: vazia - tudo o que não necessitava
- Page 91 and 92: um milhão de centros nervosos.Porq
- Page 93 and 94: dos CDs. Comeu muito pouco, mas est
- Page 95 and 96: Heathrow a piscar à distância. Tr