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enfim de aceitar a responsabilidade da tua vida — virás a ser fatalmente um<br />
desgraçado! O fato de haveres nascido rico, não te dispensa dos teus deveres de<br />
homem e de cidadão, aumenta ao contrário a tua responsabilidade, porque não tens<br />
sequer a desculpa da miséria.<br />
— Acredita, Gaspar, que as cousas mudarão!...<br />
— Receio que não mudem, ou que mudem para pior. O que te afianço é que<br />
já representas aos meus olhos um papel bem digno de lástima!... És indecentemente<br />
explorado por meia dúzia de cavalheiros de indústria, que se dizem teus amigos.<br />
Aquele Melo Rosa é um gatuno!<br />
— Gaspar, peço-te que moderes um pouco a tua exacerbação!...<br />
—Não! não tenciono moderá-la. Disse que cumpria um dever, e é com a<br />
consciência dele que procedo neste instante! Não é a própria severidade que me faz<br />
esbravear contra aqueles vadios, é o amor que te voto é a compaixão que me<br />
inspiras! Tu, meu filho, não tens prática alguma da vida, nem sequer te foi dada pela<br />
sorte a inestimável faculdade de precisares trabalhar para viver. Onde queres formar<br />
o teu caráter?... Aqui, nesta casa tresandando a desordem e a loucura?! Ao menos,<br />
se me aparecesses, para que eu te guiasse com os meus conselhos... mas tu te<br />
escondes de mim e tens medo das minhas palavras! Enquanto estás aqui,<br />
encerrado no calor voluptuoso deste latíbulo, enquanto passa a vida à fralda de uma<br />
mulher, os rapazes de tua idade formam lá fora uma geração forte e trabalhadora;<br />
enquanto te amoleces com o perfume dos cabelos de Ambrosina e com o<br />
champanha da tua adega, eles, os moços de tua idade invadem o jornal, o livro, a<br />
tribuna e a vida pública! Por que não acompanhas a onda do teu tempo? Concordo<br />
que ames Ambrosina e que por ela sejas amado, mas isso não é razão para que não<br />
cumpras com teus deveres. Esta vida, que aqui levas aos seus pés, sem dignidade e<br />
sem consciência, só vos poderá conduzir ao desprezo social; a ti pela libertinagem,<br />
a ela pela prostituição!<br />
Gabriel, fulminado pelas últimas palavras do padrasto, sentiu subir-lhe o<br />
sangue às faces, e esqueceu-se por um instante do respeito que lhe votava. Veiolhe<br />
à boca uma injúria; mas, antes de a proferir, já Ambrosina, que tudo escutara do<br />
outro quarto, havia de improviso se colocado entre os dois, cravando no médico um<br />
olhar hostil e exclamando com voz firme:<br />
— Basta, senhor! Foi sempre do meu costume respeitar os cabelos brancos<br />
de quem quer que seja, vejo agora, porém, que eles, escondem às vezes uma<br />
cabeça leviana e malévola! é bem triste o papel que o senhor escolheu... Introduzirse<br />
na casa alheia para semear a discórdia entre os que vivem felizes e tranqüilos,<br />
será tudo, menos um ato digno! Sei que me vai responder que lhe tirei o seu bebê, o<br />
seu tutu... Mas, com os diabos! antes o levem por uma vez! Ai o tem! Amo-o não<br />
nego, amo-o bastante; mas prefiro privar-me dele a ter de prestar contas de meus<br />
atos à sua ama seca! Não estou com a corda no pescoço! ainda tenho uma casa<br />
para morar, e não faltará quem me queira!<br />
— Não digas isso, que me afliges! exclamou Gabriel, procurando segurar-lhe<br />
as mãos.<br />
— Deixe-me! repontou ela com um arranco. Sempre pensei que você fosse<br />
outra espécie de homem; no fim de contas, não passa de um maricas! Acabam de<br />
insultar-me nas suas barbas, e você não acha uma palavra para me desafrontar!<br />
Não posso ter confiança em uma pessoa que não reconhece a responsabilidade de<br />
seus atos. Agora sou eu quem faz questão de sair desta casa; não posso ficar em<br />
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