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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

E a cousa explica-se do seguinte modo: Gustavo morava num cômodo de<br />

sala e alcova, que lhe alugava a família Silva, proprietária e moradora de um<br />

sobrado da rua do Rezende. Pagava noventa mil-réis por mês, com direito, além da<br />

comida, ao arranjo dos quartos, ao banho e ao café pela manhã.<br />

A família Silva, que se compunha de uma velha chamada Joana e duas<br />

filhas trintonas, era gente pobre, porém boa e honestamente laboriosa; e o hóspede,<br />

em troca dos graciosos desvelos que recebia dela, jamais negava os seus serviços,<br />

tinha ocasião de ser-lhe útil.<br />

Uma vez disse-lhe a velha que desejava merecer-lhe favor, e, passando os<br />

óculos do nariz para o alto da cabeça, acrescentou com voz misteriosa:<br />

— Nesse cortiço aí aos fundos da casa, há uma pobre mulher, bem<br />

apresentada ao que dizem, que há tempos lava para mim; ultimamente tem estado<br />

de cama, e mandou-me agora pedir que lhe fosse lá escrever uma carta, não sei<br />

para qual dos seus parentes. Como o senhor na ocasião não estivesse cá, desci eu<br />

próprio a ter com ela, achei-a muito mal, coitada! e prometi à infeliz que, mal o<br />

senhor chegasse, lá iria a meu pedido prestar-lhe aquela caridade.<br />

— Pois não, respondeu o rapaz; posso ir imediatamente, contanto que<br />

venha comigo alguém, para mostra-me a qual dessas centenas de portas tenho eu<br />

de bater.<br />

E, enquanto D. Joana chamava pela negrinha que na casa representava o<br />

papel de copeiro, Gustavo, sem se desfazer do chapéu e da bengala, dizia de si<br />

para si, a recordar-se das muitas vezes em que da janela do seu quarto ficava a<br />

contemplar a labutação do cortiço:<br />

— Deve ser aquela mulheraça gorda e azafamada, que estava sempre a<br />

ralhar com as crianças, e de quem copiei o tipo da "Brigona" no meu romance "A<br />

Estalagem".<br />

Daí a pouco esperava à porta da lavadeira que o mandassem entrar. A<br />

negrinha tinha já enfiado pelo quarto, a dar notícia da chegada "do moço que ia para<br />

escrever a carta".<br />

O cortiço estava todo em movimento. Havia nele o alegre rumor do trabalho.<br />

Um grupo de mulheres, de vestido arregaçado e braços nus, lavava, conversando e<br />

rindo em volta de um tanque cheio. Um português, com jaqueta atirada sobre os<br />

ombros, tagarelava com uma negra, que entrara para vender hortaliças; duas<br />

crianças más, assentadas na grama raspada de um quase extinto canteiro,<br />

entretinham-se a enraivecer um cão. Um mascate, com uns restos de cachimbo ao<br />

canto da boca fumava ao lado de um tabuleiro de quinquilharias de vidro, e<br />

conversava em meia língua com uma velha ocupada a depenar um frango.<br />

Gustavo observava tudo isto, e era igualmente observado. Seu tipo<br />

destacava-se ali, no meio daquela pobre gente, que o olhava com desconfiança.<br />

Mas, afinal, a negrinha reapareceu, chamou por ele, e o rapaz entrou no<br />

quarto da lavadeira.<br />

Era um cubículo estreito e oprimido pelo teto. Gustavo deu alguns passos e<br />

parou, afrontado pela escuridão e pela insalubridade do ar que respirava ali. A sua<br />

retina, que acabava de receber a luz de fora, ainda se não havia dilatado; só depois<br />

de alguns segundos foi que principiou ele a distinguir vagamente alguns vultos<br />

confusos.<br />

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