19.04.2013 Views

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

No dia seguinte, estavam muito amigas e muito unidas. Aquela, entretanto,<br />

continuava prostrada pela febre. Jorge, por conta própria, resolveu chamar o patrão,<br />

o Médico Misterioso, para ver a enferma.<br />

Alfredo retirou-se muito cedo para as suas obrigações desfazendo-se em<br />

agradecimentos e protestos de estima; a velha Benedita pôs-se em ação, para tratar<br />

do almoço e dos arranjos da casa, e Laura encarregou-se de prestar à enferma<br />

todos os cuidados que a moléstia exigia.<br />

Era de ver a solicitude, o amor, com que a carinhosa enfermeira trazia o<br />

caldo à sua bela valida. Laura punha nesses pequeninos serviços todo o segredo da<br />

sua meiguice. Que mimo nas palavras! Que graça no repreender a doente por fazer<br />

cara feia ao remédio!<br />

Ambrosina pagava esses desvelos com beijos. Laura fazia-se então<br />

vermelha e uma ligeira vertigem lhe entrecerrava as pálpebras.<br />

Pela volta das quatro da tarde, apareceu Gaspar e receitou, a despeito dos<br />

protestos da doente.<br />

Ficou de voltar.<br />

Ao sair, notaram-lhe um olhar estranho. Gaspar ia preocupado. No dia<br />

seguinte, depois da segunda visita à casa do seu cocheiro, chamou a este de parte<br />

e disse-lhe:<br />

— Jorge! creio que tens bastante amor à tua filha.<br />

— Está claro, patrão! por quê?<br />

— Porque vais perdê-la, se a deixares na companhia de Ambrosina.<br />

Jorge abriu os olhos e ficou pasmado.<br />

O pobre homem não compreendera.<br />

Entretanto, duas semanas depois que Ambrosina se achava hospedada pelo<br />

pai de Laura, Gabriel vagava pelas ruas, a passo frouxo; mãos cruzadas atrás, o<br />

chapéu derreado para a nuca, o olhar caído, e por toda a fisionomia uma grande<br />

expressão de tédio.<br />

Ao primeiro golpe de vista, percebia-se logo que alguma agonia profunda lhe<br />

pungia o coração, que uma idéia fixa se lhe havia agarrado ao cérebro e lhe<br />

chupava os miolos, como caranguejos aos dos cadáveres de náufragos, que o mar<br />

vomita à praia.<br />

O caranguejo que lhe chupava os miolos era a lembrança de Ambrosina. O<br />

desventurado não conseguia furtar se à tensão dolorosa, que a linda malvada lhe<br />

impunha ao espírito com a sua ausência. Tudo lhe trazia a idéia dela. Um perfume,<br />

um trecho de música, uma frase, um modo de olhar, um tom de rir; tudo era pretexto<br />

para mil recordações, mil desejos, mil ânsias de amor despedaçado.<br />

E Gabriel admirava-se até de que houvesse homens que tivessem<br />

conseguido viver até ali, sem nunca experimentarem a deliciosa intimidade do amor<br />

de Ambrosina. Como lograriam esses desgraçados não morrer de tédio, ficando<br />

sempre na ignorância dos mistérios daquela carne, do gosto daqueles lábios, do<br />

encanto daquele colo e da atração do abismo daqueles olhos, negros e profundos<br />

como a noite?...<br />

E a pensar nestas cousas, esquecia-se de tudo e desabava num desânimo<br />

sombrio, em cujo fundo de charco estava a idéia do suicídio.<br />

Morrer! É tão doce cuidar em morrer, quando se tem um duro desgosto<br />

ferrado ao coração!... É tão grato ao espírito, sobrecarregado da mais bela dor,<br />

pensar num imperturbável descanso.... É tão leve a morte, quando a existência nos<br />

122

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!