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www.nead.unama.br<br />
Havia alguma cousa do pecado de Eva paradisíaca na elasticidade ofídia e<br />
ondulosa do seu corpo, na mancenilha daqueles cabelos crespos, no viço<br />
provocador daqueles lábios carnudos e vermelhos.<br />
A sua voz era como um hino de amor e de revolta, feito de ironia, de súplica,<br />
de desdém e de ternura.<br />
Gabriel só viu e percebeu de tudo isso o lado risonho e claro, quando se<br />
achou pela primeira vez em presença de Ambrosina.<br />
Foi em um baile, na casa de um dos seus colegas de academia, que<br />
também voltava formado de S. Paulo.<br />
O filho de Violante dançou com a formosa moça; muito, e ele, já cativo,<br />
rudemente lhe declarou que a achava encantadora e que seria o mais feliz dos<br />
mortais, se pudesse amá-la com a esperança de ser correspondido.<br />
Ela riu-se, e aconselhou-o a que desistisse de semelhante loucura.<br />
Na Corte havia muita menina bonita. Gabriel, chegando naquele instante,<br />
nada ainda tinha visto; não se deixasse por conseguinte levar pelas primeiras<br />
impressões...<br />
— São sempre as melhores... respondeu ele sorrindo.<br />
— Qual o quê! replicou Ambrosina. O senhor arrepender-se-ia. Só eu, tenho<br />
mais de uma dúzia de amigas que, se fosse rapaz, amá-las-ia de joelhos... São<br />
lindas<br />
— Mas lembre-se de que são mais de uma dúzia...<br />
— Ora! se eu fosse rapaz, amava-as a todas. Não há como ser homem!... O<br />
homem pode viver como quiser, fazer o que bem entender, amar a todas as<br />
mulheres ao seu alcance; enganá-las, ridicularizá-las, e... nem por isso deixará de<br />
ser um rapaz comme il faut, desde que se vista à moda, tenha uma cara suportável,<br />
algum emprego ou algum capital, e, um bocadinho de tino... para não dizer asneiras<br />
seguidas. Ao passo que a pobre mulher coitada se quiser amar, há de contentar-se<br />
com um indivíduo, que ela só conhecerá depois de ter ligado para sempre a seu<br />
destino ao dele; quando aliás um marido é como charuto, que só se pode saber se é<br />
bom depois de aceso. As aparências nada valem!...<br />
— V. Exa. pinta o charuto tão ao vivo que faria acreditar que já fumou!...<br />
— Figuradamente, como lhe acabo de falar, não, porque sou solteira, e não<br />
tenho pressa... mas se o senhor se refere à verdadeira acepção da palavra,<br />
responder-lhe-ei que sim; já fumei. Pura extravagância<br />
— Não lhe fez mal?<br />
— Muito! Tive vertigens, ânsias; passei mal uma noite inteira... Jurei não cair<br />
noutra!<br />
— Ah!<br />
— E creio justamente que com o casamento me aconteça o mesmo... Não<br />
com uma noite, mas com a vida inteira!...<br />
— Então não tenciona casar?...<br />
— Tenciono, pois não! Nós, as mulheres, somos muito desgraçadas a este<br />
respeito: temos às vez es horror ao casamento, mas que fazer!... Não o podemos<br />
dispensar. Oh! o senhor bem sabe que a mulher só se emancipa quando se<br />
escraviza ao marido... Desgraçadinha daquela que não tiver um guarda-costas que a<br />
represente na sociedade e que com ela partilhe um pouco dos perigos que a<br />
esperam.<br />
— V. Exa. faz-me pasmar com a sua experiência...<br />
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