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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Difícil seria precisar o perfil de todas essas sombras libertinas; eram<br />

indivíduos sem caráter próprio, e sem o mais ligeiro traço original por onde<br />

pudessem ser distinguidos. Todo o cabedal das suas habilitações consistia em<br />

saberem fumar, beber, jogar e afemear como ninguém. Para se não se dizerem<br />

vagabundos e filantes, intitulavam-se boêmios, profanando esse poético nome, tão<br />

consagrado no meio artístico pela revolta do talento incompreendido ou ainda não<br />

vitorioso. Boêmios! como se fosse possível conceber a idéia de boêmia, sem a idéia<br />

de sacrifício e de pungente esforço na conquista do ideal e do belo!<br />

Gabriel, coitado, bastante repugnância sentia da nova lama em que se<br />

chafurdava agora, mas. não tinha ânimo de romper com ela, porque só nela<br />

conseguia atordoar-se um pouco contra os últimos desastres do seu maldito amor.<br />

Em menos de dois meses era já conhecido e tuteado em todos os restaurantes<br />

ruidosos, em todas as casa de jogo forte, clubes carnavalescos e caixas de teatro.<br />

Em torno do seu desperdício ardia em perene incensarão esse risinho açucarado e<br />

servil, que o prestígio do dinheiro acende no rosto dos exploradores de todos os<br />

matizes, desde o grave e condecorado mercador comercial, até à delambida rameira<br />

de preço fixo e rótula franca.<br />

As suas pândegas repetiam-se cada vez mais violentas e com mais<br />

estrondo. Depois de uma ceia no "Fréres Provençaux", em que ele se viu em estado<br />

de não poder ir para casa, tomou aposentos nesse hotel, guardando a seu lado por<br />

companheira de desregramento, a mulher que o acaso lhe deu àquela noite, a Rita<br />

Beijoca, uma loura vinte anos mais velha que a mesma devassidão; e daí, para o<br />

mísero Gabriel, essa deplorável existência cor de goivo e cheirando a morte, bem<br />

conhecida de alguns moços ricos do Rio de Janeiro — acordar à uma da tarde, fazer<br />

duas de toilette e outras tantas de Rua do Ouvidor, vermutear até ao momento de se<br />

abrir na Távola predileta a primeira banca de roleta, jantar às horas da ceia, e cear<br />

depois da meia-noite.<br />

A ausência de Gaspar favorecia toda essa desgraça. Pelo carnaval, ao<br />

domingo gordo, reuniram-se, entre outros, nos aposentos de Gabriel, dois legítimos<br />

espécimes daqueles cogumelos de que há pouco falamos — o Costa Mendonça e o<br />

Juca Paiva, dois belos rapagões, que ninguém sabia donde tiravam os cabritos que<br />

vendiam.<br />

O Costa era bonito e perfumado, tresandando a mulheres; jóias caras, roupa<br />

bem feita. Tornara-se falado no seu meio por certas famosas surras que de vez em<br />

quando lhe arrumava; em crise de ciúme, a sujeita a quem ele de corpo e alma<br />

pertencia desde os seus primeiros passos na vida da pândega fluminense, uma tal<br />

Aninha Rabicho, célebre entre os libertinos dos dois sexos por ser proprietária de um<br />

prédio e cinco escravos, adquiridos com o produto das suas gloriosas economias.<br />

O outro cogumelo, o Paiva, tinha o ar mais sério e a roupa menos apurada.<br />

Nascera de pais abastados, que lhe deixaram uma medíocre fortuna e uma rara<br />

ignorância. A fortuna comeu-a ele logo que se emancipou, a outra, porém, é que se<br />

não deixou tragar assim tão facilmente, e a cada nova aurora reflorescia mais<br />

grimpadora e viçosa. Diziam dele, entretanto, que, para embarricar um bom cágado<br />

num lasquenetezinho bancado, não havia no Rio de Janeiro mão mais limpa, nem<br />

mais lúcida cultura.<br />

Depois do ardente desfilar das sociedades carnavalescas, seguiram os três<br />

e mais Rita Beijoca para o hotel dos Príncipes, onde a bela crápula fervia de portas<br />

adentro num inferno de guinchos e risadas em falsete.<br />

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