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— Como assim?...<br />
www.nead.unama.br<br />
Refiro-me a certas mofinas, que de bons tempos a esta parte se publicam<br />
invariavelmente duas vezes por mês no Jornal do Comércio. É uma infâmia! dizem o<br />
diabo de mim! Chegaram já a chamar-me de ladrão!<br />
— Mas quem será o autor dessa perfídia!... perguntou Gaspar, indignado.<br />
— Sei cá quem é! respondeu o pai, sacudindo os ombros. Não me dói na<br />
consciência haver feito mal a ninguém; não tenho em minha vida glórias tais que<br />
possam despertar inveja; nunca pratiquei baixezas, nem cometi crimes que<br />
pudessem levantar a indignação ou o ódio de quem quer que seja... Digo-te com<br />
franqueza que não sei absolutamente a quem possa atribuir semelhante cousa! Mas<br />
o que te afianço é que o tal autor das mofinas não se descuida... Tudo deixará de<br />
aparecer, menos uma injúria contra mim no dia quinze e no dia trinta de cada mês.<br />
Já tenho, por todos os modos, procurado ver se descubro a quem devo tão estranha<br />
perseguição, mas qual! o miserável esconde-se deveras.<br />
— Ora, havemos de ver se o descobriremos ou não. E juro-lhe, meu pai,<br />
que, se o não descobrirmos, quem mais há de pagar é o redator do jornal!<br />
— Bem! bem! mas não é disso que se trata agora! observou o coronel. O<br />
que desejo saber é se podes seguir para o Rio no primeiro vapor...<br />
— Posso, mas não para ficar de vez, porque tenho ainda o que fazer em<br />
Montevidéu; tenho que proceder ao inventário dos bens de Violante em beneficio de<br />
meu enteado. Só depois de tudo muito bem disposto, é que poderei voltar para o Rio<br />
de Janeiro e fazer-lhe companhia. Porém, de tudo, o que me parece mais razoável é<br />
que o senhor venha comigo dar um passeio à República Oriental...<br />
— Não! Estou cansado e quero morrer onde nasci; além de que, ficando na<br />
Corte, verei sempre a minha querida Ana, o que me fará bem. Em todo caso, meu<br />
filho, se os teus interesses te aconselharem que abandones o Brasil, não serei eu<br />
que a isso me oponha, posto que precise como nunca de ti ao meu lado. Não quero<br />
prejudicar-te.<br />
— De forma alguma, meu pai; terminado o que tenho a fazer em<br />
Montevidéu, mudo-me definitivamente para o Rio, e aí viveremos juntos. Tenciono<br />
dedicar-me exclusivamente à minha profissão de médico.<br />
Partiram no primeiro vapor, e Gaspar seguiu para Montevidéu. Tratou este<br />
logo do inventário, ficando Gabriel patrimoniado com trezentos mil pesos ouro.<br />
O padrasto pensou em retirar-se com ele para o Brasil.<br />
O filho de Violante orçava então pelos oito anos; era um menino sadio, forte<br />
e bem tratado. Gaspar é que não parecia o mesmo. Nada o distraía, nada conseguia<br />
espantar o bando de aves negras do seu tédio. Passava uma vida concentrada e<br />
aborrecida; tudo lhe trazia à idéia a sua pobre Violante, deixando-lhe o coração<br />
embebido em uma saudade imensa e desesperadora. Tinha ele seus então vinte e<br />
sete anos e parecia ter muito mais; estava magro, com grandes olheiras. Entre todos<br />
os rostos formosos das mulheres de Montevidéu, nem um só havia que lhe<br />
chamasse um pouco de luz aos olhos, ou um pouco de riso aos lábios. Seu único<br />
prazer, sua consolação única, era ter Gabriel nos braços.<br />
A bela criança, apesar de loura, lembrava muita cousa da mãe. Os olhos<br />
rasgados e pestanudos da oriental ali estavam com o filho como preciosas jóias<br />
herdadas da família.<br />
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