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www.nead.unama.br<br />
— É como lhe estou a dizer, meu rico amo, a pobrezinha só o que fazia era<br />
chorar e falar na próxima chegada do marido!<br />
— E esta? disse Gaspar consigo. Pois eu era esperado já por aqui?<br />
— Ainda assim, acrescentou o criado; o que às vezes a consolava era a<br />
companhia do menino, mas este foi para o colégio, e...<br />
Gaspar não se animava a dar mais uma palavra; enfim perguntou:<br />
— E ela ama muito essa criança?<br />
— Se ama o filho? Oh! meu amo, adora-o! E a graça é que o diabinho se<br />
parece deveras com ela e com vossemecê!... é como se o estivesse a ver neste<br />
momento, com aquela cabecinha muito redonda, os olhos muito pestanudos e os<br />
beiços muito vermelhos, a dizer-me:<br />
"Jacó! Jacó! olha que te bato!" E corria a bater-me nas pernas com a<br />
mãozinha fechada!<br />
E o velho, disse ainda, a limpar uma lágrima:<br />
— Que bela criança!... Não se ria vossemecê destas cousas, mas é que a<br />
gente, quando vai ficando inútil, como eu, toma um não sei quê pelas crianças, que<br />
é mesmo uma esquisitice! Fica-se tolo, babão, por aqueles diabinhos!...<br />
— Você não tem algum neto, Jacó?<br />
— Qual, meu senhor! essa fortuna não é para este pobre velho; o meu<br />
Ernesto morreu aos quinze anos, e depois disso não tive mais parentes, nem<br />
felicidade completa...<br />
E o desgraçado chorava.<br />
— Está bom! está bom! atalhou Gaspar; deixemo-nos de recordações<br />
penosas e vá arranjar-me charutos.<br />
O criado saiu, vergando sob os seus sessenta anos e arrastando<br />
pacificamente os seus sapatões de bezerro, engraxado. O filho do coronel reparou<br />
então que havia na saleta uma biblioteca; colheu um Espronceda e leu<br />
distraidamente alguns versos. O velho voltou com os charutos, e perguntou se o<br />
amo queria jantar mesmo no quarto ou se resolvia a passar ao "comedor".<br />
— Diga à senhora que faça como melhor entender, respondeu ele.<br />
— D. Violante já está à mesa e conta que meu amo lhe fará companhia.<br />
— Nesse caso, irei.<br />
E Gaspar, sem saber por que, teve uma alegriazinha com descobrir que a<br />
sua misteriosa feiticeira se chamava Violante.<br />
A sala de jantar era pequenita, alegre; paredes guarnecidas de aquarelas<br />
espanholas. Havia distinção no gosto que presidia à escolha dos móveis, e um certo<br />
perfume artístico na disposição dos bronzes e dos cristais. Sentia-se logo que ali<br />
palpitava um espírito caprichoso e romanesco.<br />
Gaspar, mal entrou, correu a apertar a mão da sua benfeitora; e ela,<br />
sorrindo, felicitou-o pelo seu completo restabelecimento.<br />
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