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— Não tens razão... Gaspar trata-te bem... As duas únicas vezes em que ele<br />
veio cá, dispensou-te todas as atenções; não te disse uma só palavra desagradável,<br />
não te fez a mais ligeira recriminação, apesar de o haveres tu privado da minha<br />
companhia, que tem para ele grande valor....<br />
— Não sei; ataca-me os nervos aquele ar de hipocrisia. Não posso suportar<br />
os seus modos pedantescos de mentor de chapéu alto!<br />
— Tu exageras, coitado! O Gaspar é um excelente homem. Teve na<br />
mocidade uma boa dose de desgostos, que o fizeram triste para o resto da vida,<br />
mas é um coração de ouro.<br />
— Todavia, nem sequer procura disfarçar a sua antipatia por mim...<br />
— Coitado! ele é lá capaz de antipatizar contigo! Admira-me até dizeres isso,<br />
quando gostavas tanto dele durante a tua moléstia...<br />
— Ele nesse tempo tratava-me de outro modo.<br />
É que ainda não se habituou à idéia de que eu o deixasse totalmente, para<br />
dedicar-me de corpo e alma a ti, minha querida Ambrosina.<br />
E Gabriel puxou para si a amante, e fê-la assentar-se nos seus joelhos.<br />
— Pois se tens saudades, é voltar, disse ela.<br />
— Deixa-te de tolices! Não vês que não posso mais viver sem ti?...<br />
— O mesmo sucede comigo a teu respeito, e é justamente por isso que<br />
aborreço aquele homem. Tenho receio que ele acabe por arrebatar-te de meus<br />
braços!<br />
— Que lembrança!<br />
— Enfim, vejamos ainda uma vez; mas se o Médico Misterioso continuar a<br />
tratar-me como ultimamente, tu lhe pedirás de minha parte que me dispense a honra<br />
de suas visitas...<br />
— Ambrosina!...<br />
— É o que te digo!<br />
— Estás muito nervosa...<br />
— E o que há nisso de estranhar, sabendo-se a vida monótona que levo<br />
entre estas quatro paredes?...<br />
— Mas, o que te falta? dize.<br />
— Falta-me tudo, Gabriel! Sinto necessidade de gozar, de esquecer as<br />
contrariedades de minha vida!<br />
— Queres viajar?<br />
— Não.<br />
— Então não sei o que te faça!...<br />
E os dois calaram-se. Ambrosina, no fim de algum tempo, levantou-se.<br />
— Vamos dar um baile? disse ela.<br />
— Um baile? repetiu Gabriel, a olhar espantado para a amante.<br />
— Sim, um baile. O que achas nisso de extraordinário?...<br />
— Nada, mas a grande dificuldade está nos convidados. Quais seriam as<br />
damas do teu baile?<br />
— Minhas amigas...<br />
— Que amigas?<br />
— As amigas que eu convidasse... Ora, essa!<br />
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