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www.nead.unama.br<br />
há um homem! proíbo que cometas o crime que premeditas, ou hás de primeiro<br />
consumá-lo em mim!<br />
— E pensas que não seria capaz? Não te disse já que acima de tudo coloco<br />
a minha vingança?<br />
Gaspar cravou-lhe os olhos, e os de Violante, sempre firmes, não se<br />
abaixaram. Compreendeu ele que, na alma daquela mulher, a idéia fixa da vingança<br />
estava encravada como um veio de pórfiro no granito. Era impossível extraí-lo, sem<br />
despedaçar a montanha. Voltou-se afinal para ela, tomou-lhe as mãos, falhou-lhe<br />
com ternura.<br />
— É a tua e a minha desgraça, que vais fazer! disse ele. Habituei-me à<br />
esperança de possuir-te na dignidade do lar e da família, perder-te agora seria<br />
impossível. Como conciliar a tenebrosa idéia de um crime com a idéia doce e<br />
tranqüila da nossa felicidade!... Tens o paraíso a teus pés, risonho, calmo, azul, e<br />
queres ensangüenta-lo! Se fosse possível matar o culpado sem prejudicar a mais<br />
ninguém — vá. Mas não! para cometer esse crime, tens de fazer outras vítimas, que<br />
sofrerão muito mais do que ele, e que, no entanto, nunca te fizeram mal. Eu vi a<br />
mulher de Paulo... Está grávida! A morte do marido vai deixar uma viúva sem<br />
amparo e um inocentinho sem pai e sem pão... Tu também tens um filho, Violante, e<br />
já sabes, por experiência própria, quanto padece uma criança desamparada... Não<br />
roubes o pai àquele entezinho, que nenhuma culpa tem de tudo o que te sucedeu!<br />
Se conseguires matar Paulo, ele será de todas as tuas vítimas a menos castigada.<br />
Não compreendes que a morte daquele miserável acarretará outras consigo? não<br />
sabes que a pobre velha, que vê nele toda a sua esperança e toda a sua felicidade,<br />
tombará também, quando o teu punhal arrancar a vida do seu querido filho? E não te<br />
lembras que essa pobre velha, se te merece algum ódio, é simplesmente porque foi<br />
tua mestra, porque te traduziu na infância e te iluminou a inteligência? Não te dói a<br />
idéia de que vais encher de fel os últimos dias daquela que encheu os teus primeiros<br />
anos de amor e desvelos? Não te parece mau que a mesma que substituiu tua mãe<br />
encontre a sepultura suja de sangue derramado por ti? E, além de tudo isso, minha<br />
querida Violante, não te acusa a consciência de pertencer-te grande parte da culpa<br />
de que criminas tanta gente!... Não conhecias já porventura o caráter de Paulo,<br />
desde o tempo de colégio? não lhe tinhas adivinhado as intenções? não o castigaste<br />
um dia com uma bofetada? Para que então te deixaste seduzir por ele?! Tu, que és<br />
tão perspicaz e tão inteligente, não percebeste logo que o homem que faz de uma<br />
mulher a sua amante, não tencionava fazer dela jamais a sua esposa? não<br />
percebeste um amor inaugurado entre meia dúzia de gargalhadas e outras tantas<br />
taças de champanha, só pode acabar como acabou o teu, e não na<br />
responsabilidade fria e digna do matrimônio!... Não sabias por acaso que todo<br />
homem tem na vida certa época de loucura, pela qual não podemos responsabilizar<br />
o seu caráter, nem as suas intenções?...<br />
Tu eras bela, livre venturosa, romanesca; ele, moço extravagante e sedutor.<br />
Viu-te, falou-te em amor, estremeceu em pensar nos teus beijos... talvez até mesmo<br />
resolvesse casar contigo. Mas tu lhe deste liberdade, lhe aceleraste os desejos, lhe<br />
fustigaste o arrojo, lhe proporcionaste ocasiões. Ele nada mais fez do que<br />
aproveitar-se de tudo isso. A verdadeira culpada foste tu!... pelo menos, grande<br />
parte da responsabilidade deves atirar para o teu temperamento, para o teu sangue,<br />
para a tua fraqueza! Para que sucumbiste?! Acaso não tomaram alguma parte nisso<br />
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