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Dir-se-ia que toda a sua atividade nervosa se lhe havia refugiado nos olhos.<br />
Esses, sim, eram agora mais vivos e pareciam maiores na roxa moldura das<br />
pálpebras.<br />
Ambrosina, às vezes, a surpreendia nesses êxtases.<br />
— Que tens tu, minha vida?... perguntava-lhe com meiguice; por que ficas<br />
assim, a olhar a toa, como quem deixou longe o coração?... Fala, meu amor! conta à<br />
tua amiguinha qual a mágoa que te oprime! O que te falta?<br />
— Não era nada!... dizia a outra, entre sorrindo e suspirando. Nervoso...<br />
Ambrosina ralhava.<br />
— Não a queria ver assim triste!... Era preciso ter juizinho!<br />
À mesa, que champanha! Laura torcia o nariz aos pratos e queixava-se de<br />
falta de apetite. A companheira fazia então milagres de ternura, afagava-lhe os<br />
cabelos! batia-lhe com o dedo na polpa do queixo, e começava a falar-lhe com voz<br />
de criança:<br />
— Bebê não faz a vontadinha de Ambrosina?... Ambrosina fica triste!<br />
E Laura, já a rir, tomava nos dentes o bocado que a outra lhe levava à boca.<br />
Assim passaram quase um mês na Bahia. O paquete, que as devia levar<br />
para Europa, era esperado dai a quatro dias. As duas viviam a sonhar com Paris.<br />
À tarde, depois do jantar, quando não davam uma volta pelo Passeio<br />
Público, ficavam a ler, estendidas no divã.<br />
Estas leituras entravam pela noite Vinha a criada acender o lustre, e as duas<br />
amigas permaneciam juntinhas ao lado uma da outra, como duas rolas no mesmo<br />
ninho.<br />
Era quase sempre Ambrosina quem lia em voz alta. Laura escutava<br />
religiosamente.<br />
Uma tarde, o sol já se havia escondido e a dúbia claridade que precede o<br />
crepúsculo da noite entrava pela janela e derramava-se triste no amoroso silêncio da<br />
alcova; uma nesga do céu aparecia, lá ao longe, afogada nos últimos resplendores<br />
do dia, e um ar morno e pesado agitava preguiçosamente a renda das cortinas; as<br />
duas raparigas achavam-se, mais que nunca, empenhadas na leitura. Era um<br />
romance de Theophile Gautier, traduzido por Salvador de Mendonça, "Mademoiselle<br />
de Maupiu".<br />
Estavam na cena do jardim, e a voz de Ambrosina, muito sonora e<br />
levemente comovida, dizia bem e com justeza as frases apaixonadas do grande<br />
boêmio fantasista. Mais parecia ela discursar que proceder a uma simples leitura; a<br />
expressão, o sentimento, o calor, que punha nas palavras, as faziam suas, ditas e<br />
pensadas, ali, na inspiração, voluptuosa e confidencial daquela intimidade.<br />
Laura, de olhos fechados, lábios trementes, corpo abandonado sobre o divã,<br />
parecia enlevada num idílio místico. E a noite caía sobre elas como um véu protetor.<br />
Em breve, já não podiam ler. O livro desabara sobre o tapete.<br />
Laura estorceu-se então numa agonia mortal, abraçando-se à companheira,<br />
e abriu a soluçar histericamente.<br />
Era um chorar louco, apaixonado, febril.<br />
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