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— Decerto! Como sabiam que eu estava no Brasil e como me esperavam<br />
com impaciência, calculei o ridículo que me aguardava se me apresentasse ainda<br />
viúva, e tomei a resolução de mentir: disse que meu marido viria buscar-me para<br />
viajarmos, ou iria eu encontrar-me com ele fora de Montevidéu. O senhor é a única<br />
pessoa que sabe da verdade...<br />
— Mas isso foi uma temeridade! exclamou Gaspar.<br />
— Nem só uma temeridade, acrescentou Violante; como foi uma grande<br />
asneira: criando um marido imaginário, não me passou pela idéia que ia com isso<br />
dar uma nova direção ao inventário do primeiro...<br />
— E agora?<br />
— Agora, é que estava na situação que lhe acabei de pintar francamente,<br />
quando ontem li no jornal o seu nome na lista dos passageiros do Pacific Star. "Deve<br />
ser o filho do meu benfeitor!" disse eu comigo, e mais me convenci disso ao vê-lo à<br />
tarde no Prado com os seus companheiros de viagem, tal é a semelhança que existe<br />
entre o seu tipo e o de seu pai na idade em que me recolheu. Pois bem, imagine<br />
agora que hoje, ao voltar de um baile pela madrugada, os cavalos do meu carro se<br />
espantaram em certa rua; quis saber o que havia: o cocheiro disse-me que um<br />
homem estava estendido no chão e escapara de ser esmagado pelas rodas. O carro<br />
tinha parado, e ao lado das rodas estava com efeito um corpo inanimado. O cocheiro<br />
apeou-se, e com uma de suas lanternas iluminou-lhe o rosto. Soltei um grito — a<br />
fisionomia que eu tinha defronte dos olhos, era a do moço estrangeiro que encontrei<br />
no Prado, e justamente a mesma que se gravara há vinte anos em meu espírito, no<br />
dia em que morreu minha mãe; era a doce fisionomia do oficial brasileiro, que me<br />
recolhera da miséria. E, para poder o senhor julgar bem da impressão que recebi,<br />
basta ver este retrato...<br />
E a oriental passou a Gaspar um de porte guerreiro, que tirou da algibeira.<br />
— Oh! exclamou ele. Efetivamente é o retrato de meu pai há vinte anos!<br />
Quanto me pareço com ele! Tem toda a razão: isto é o seu retrato fardado de oficial.<br />
— Desci do carro, prosseguiu Violante, e disse ao cocheiro que pousasse a<br />
lanterna no chão. Era aflitivo o meu estado, tendo assim defronte dos olhos o filho<br />
do meu benfeitor, ao qual Deus me enviava para socorrer. Havia em tudo aquilo um<br />
mistério, e a mim competia desvendá-lo, por gratidão, por dignidade, por<br />
cumprimento de dever. Aquele corpo tinha sofrido qualquer violência; procuramos<br />
descobrir-lhe uma ferida ou vestígio de algum veneno — nada! Todavia, não era um<br />
cadáver, porque o coração batia perfeitamente. Eu não sabia que partido tomar —<br />
abandonar ali aquele homem, era impossível, mas carregá-lo comigo, não era<br />
também tão fácil; não me animava a seguir ao lado de um desconhecido, e de um<br />
desconhecido em trajes menores... Fiquei perplexa! A rua estava deserta; não<br />
passava perto dali uma só carruagem... O cocheiro olhava-me com grande surpresa,<br />
eu ficava cada vez mais aflita. Ameaçava chuva, e daí a pouco amanheceria. Tomei<br />
afinal um partido e disse ao cocheiro: "Você conhece este homem?" O cocheiro<br />
olhou mais atentamente para o desfalecido, e respondeu que era a primeira vez que<br />
o via. "Pois imagine que este homem é o parente mais próximo que eu possuo aqui!"<br />
expliquei eu. "O que diz, minha senhora?!" perguntou-me espantado o cocheiro.<br />
"Olha como o diabo as armas e acrescentou: "E o caso é que os gatunos o deixaram<br />
em lastimável estado!" — Mas é preciso tomar uma resolução! disse-lhe eu<br />
impaciente. — Este homem não pode ficar aqui! Descanse minha senhora, eu o<br />
arranjarei cá na boléia". — Mas então mexa-se! que pode aparecer a polícia e<br />
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