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É deste ponto que principia o maior interesse das memórias do nosso pobre<br />
condenado.<br />
Moscoso começava a presenciar a realização dos seus dourados sonhos de<br />
vingança, já era rico, respeitado, estava em vésperas de ser comendador e em<br />
breve seria milionário; ao passo que o marido da outra — o pobre empregado<br />
público, não passava ainda de miserável chefe de seção, e continuava a medir o seu<br />
ordenado pelas despesas indispensáveis da casa.<br />
Ah! que bastantes vezes teriam ocasião de comparar os dois destinos,<br />
pensava aquele. De um lado o magro funcionário público, seco, modestamente<br />
vestido, curvado pelo serviço, com o espírito consumido pelo trabalho oficial, pela<br />
papelada da secretaria, e traduzindo na cara o nenhum caso que lhe votava a<br />
sociedade; em quanto do outro lado, resplandecia o belo comendador, o futuro<br />
barão, o homem das altas transações, a alma de mil negócios, o nédio ricaço que<br />
brincava com muitos contos de réis, gozando a boa carruagem, fumando o seu bom<br />
charuto, rindo na praça, dizendo pilhérias aos colegas tão ricos como ele.<br />
E Moscoso revia-se na própria prosperidade, imponente na sua barriga<br />
esticada e egoísta, a destilar todo ele um ar petulante da fartura e proteção, a<br />
esconder enfim com uma simples aba da sua larga sobrecasaca o vulto franzino do<br />
miserável empregado público.<br />
— Esfreguei-os! exclamou o marido de Genoveva em um assomo de<br />
contentamento. — Esfreguei-os em regra!<br />
Entretanto, a vida do coronel ia muito pior do que podia imaginar o<br />
comendador Moscoso. O bom veterano, percebendo que os seus bens de fortuna<br />
tendiam a enfraquecer consideravelmente, teve um palpite de ambição e meteu-se a<br />
especular com eles. Foi um desastre que deixou o pobre homem quase reduzido ao<br />
soldo militar.<br />
Por essa época, o filho habitava em S. Francisco da Califórnia depois de ter<br />
estado na Europa a aperfeiçoar-se em medicina. O velho participou-lhe o estado em<br />
que se achava, e pediu-lhe que voltasse quanto antes. Gaspar, que até aí gozara<br />
ordem franca, não acreditou em semelhante notícia, calculou que o pai desejava vêlo<br />
e tratou de partir sem pressa.<br />
Tinha ele então vinte e quatro anos e era um belo moço. Tomou uma<br />
passagem no "Pacific Star", disposto a voltar definitivamente para a companhia do<br />
pai.<br />
Mas, enquanto o navio ancorava em Montevidéu para refrescar, Gaspar<br />
resolveu aproveitar o dia, visitando a cidade com outros rapazes companheiros de<br />
bordo.<br />
Só quem não viajou deixará de compreender o que é passar vinte e quatro<br />
horas numa cidade estranha, quando se tem outros tantos anos de idade e dinheiro<br />
nas algibeiras. Jantaram em casa de uma rapariga; o vinho era excelente e a tarde<br />
encantadora. As horas voaram no turbilhão do prazer e da desordem; ferveu o<br />
champanha, as canções rebentaram estrepitosamente entre gargalhadas.<br />
O navio largava no dia seguinte às onze horas.<br />
À meia-noite os rapazes levantaram-se da mesa, mas a rapariga passou os<br />
braços no pescoço de Gaspar e pediu-lhe que ficasse. Ele cedeu, tinha a cabeça<br />
pesada e o corpo lhe exigia repouso. Não foi sem prazer que viu a vasta cama e o<br />
confortável aposento, que lhe franqueou a dona da casa.<br />
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