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Conhecer o mal, sem ânimo para fugir dele!... mas não! Custe o que custar, doa o<br />
que doer, hei de esquecê-la! hei de desprezá-la!<br />
Mas dentro, em revolta, lhe bradava o sangue:<br />
— Atende! atende, desgraçado! não te lembras que, para deixares por uma<br />
vez Ambrosina, terás de abdicar de todos os deslumbramentos do seu amor? Deixála,<br />
quer dizer nunca mais sentir o doce contacto daqueles braços esculturais; deixála,<br />
é perder o gosto saboroso daqueles beijos quentes e vermelhos; é nunca mais<br />
adormecer ao calor daquela divina carne e ao aroma daquele cabelo negro! Queres<br />
deixá-la, miserável? deixa-a, mas engatilha ao mesmo tempo o teu revólver, porque<br />
não resistirás ao desespero de perdê-la! E, enquanto estiveres lá debaixo da terra,<br />
no pavoroso degredo do teu aniquilamento, ela, cá fora, feliz e radiante, será<br />
cortejada por uma aluvião desenfreada de apaixonados!<br />
Gabriel estremeceu, sacudiu a cabeça, procurando enxotar os pensamentos,<br />
como quem enxota um bando de corvos, e saltou da cama.<br />
Defronte dele ergueu-se o padrasto.<br />
— Então?... disse este. Estás disposto a partir?<br />
— Quando quiseres... respondeu Gabriel, abaixando os olhos.<br />
— Iremos pelo primeiro paquete que sair para a Europa.<br />
E Gaspar afastou-se, para tratar da viagem.<br />
Entretanto, na véspera desse dia, enquanto aqueles dois fugiam pela noite a<br />
toda a disparada da casa de Ambrosina, esta, depois de alguns passos pela rua de<br />
Laranjeiras, encostara-se prostrada às grades de uma chácara.<br />
Não sentia coragem para caminhar, tal era o seu estado. Tinha a cabeça<br />
oprimida por um estranho peso que a obrigava a fechar de vez em quando os olhos.<br />
As pernas negavam-se a sustentá-la e os seus pés sangravam; todo o corpo lhe<br />
pedia repouso, mas não se animava ela a sentar-se no batente de alguma porta,<br />
receosa de ceder ao cansaço e adormecer na rua. Olhava então aflitivamente para a<br />
estrada, e a desesperança de qualquer recurso, que tirasse daquela situação,<br />
arrancava-lhe lágrimas de desespero.<br />
Quando passava alguém, a infeliz escondia o rosto, envergonhada.<br />
Um trabalhador, que vinha a cantalorar com uma voz grossa de vinho,<br />
abeirou-se dela e quis abordá-la.<br />
— Olha cá! disse, limpando as barbas nas costas da mão.<br />
— Não me toque! bradou ela.<br />
E ferrou no homem tão decisivo olhar, que ele abaixou a cabeça, com um<br />
gesto de cão batido, e arredou-se resmungando:<br />
— Desculpe! supunha que era uma barca...<br />
Ambrosina rilhou os dentes, de raiva, e desatou a soluçar.<br />
Que mal havia ela feito para sofrer tanto!... Por que a sorte, a fatalidade, ou<br />
lá o que fosse, a perseguia daquele modo?... Bem sombria devia ser a estrela que<br />
velou o berço!...<br />
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