19.04.2013 Views

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Ela apareceu-lhe toda de luto, arrastando uma grande e magoada contrição.<br />

Não tinha consigo um jóia; traje e penteado eram de um simplicidade<br />

calculada e artística. Nenhuma tinta no rosto, nenhum artificial perfume nos cabelos.<br />

Os braços cobertos por um filó negro; na garganta, pálida e nua, um pequenino<br />

crucifixo de marfim pendente de um cordel de seda.<br />

Como ainda está bonita!... Foi o primeiro pensamento de Gabriel, assim que<br />

a viu.<br />

E, meio condoído pelo ar triste e resignado da ex-amante, disse-lhe em tom<br />

quase cerimonioso:<br />

— Vê que não fiz ouvidos de mercador ao seu convite... Aqui me tem...<br />

— Obrigada! muito obrigada! respondeu ela comovida e suspirosa, indo<br />

beijar-lhe a mão.<br />

— Dou-lhe os meus parabéns por dois motivos, volveu o rapaz; porque está<br />

muito bem conservada e porque me parece inteiramente convertida...<br />

— Aceito o cumprimento pela segunda das razões, mas não pela primeira...<br />

balbuciou Ambrosina, fazendo a visita tomar assento a seu lado num divã rasteiro;<br />

convertida, isso estou eu... Ah, se estou! quanto a bem conservada... não sei, nem<br />

me interessa saber. Ainda ontem, num dos meus momentos de íntima revolta contra<br />

mim mesma, estive quase, por desespero, a despojar-me dos cabelos... Imagine!<br />

— Que loucura!..<br />

— Loucuras foi o que eu fiz noutro tempo... e daria agora, acredite! todo o<br />

meu sangue, para me resgatar de qualquer delas!<br />

— Como mudou, hein?<br />

— Oh, sim, felizmente! Muito, porém, tenho sofrido e muito tenho chorado!<br />

Reconheço, entretanto, que, no fundo, não sou tão má; posso até dizer que nasci<br />

para a abnegação e para o sacrifício. Mas, não sei que revessa estrela me<br />

persegue, que maldição me acompanha desde o berço, para que eu, em toda a<br />

minha desgraçada vida, deixasse sempre atrás de mim um rastro de vítimas e uma<br />

esteira de gemidos angustiosos. Desejei vê-lo de novo, Gabriel, porque ao Senhor<br />

devo a parte melhor, mais doce e menos impura, do meu triste destino, o único<br />

instante de minha existência em que não me julguei de toda indigna de amar a<br />

Deus; chamei-o para lhe pedir que me perdoe e, se lhe merecer compaixão a dor<br />

suprema da mais perdida das perdidas, que a esta ampare sempre com a sua<br />

generosidade de homem de bem, para que não tenha ela de recorrer dê novo à<br />

prostituição, como único meio de vida que lhe resta.<br />

E Ambrosina, cujos suspiros lhe transbordavam por entre as palavras,<br />

começou a chorar desafogadamente.<br />

Gabriel, por simples instinto de piedade, deixou que a desgraçada lhe<br />

pousasse a cabeça sobre o colo; mas, ao encará-la rosto a rosto, ao sentir nas suas<br />

barbas as quentes lágrimas que ela vertia, e a respirar-lhe o fêmeo e ferino cheiro<br />

daquelas mesmas carnes e daqueles mesmos cabelos, em que outrora se lhe<br />

prendera cativa para sempre a alma enamorada, todo o seu passado, toda a sua<br />

louca paixão, lhe acordou por dentro num arranco de desenfreado desejo, no qual<br />

ele a chamou inteira para o corpo, cingindo-a nervosamente nos braços e<br />

devorando-lhe os lábios com beijos ardentes, doidos, famintos, enquanto da<br />

garganta lhe rebentavam velhos soluços há tempo reprimidos e esmagados.<br />

224

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!