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www.nead.unama.br<br />
de algum banco? seria uma nova guerra com alguma outra República vizinha, ou<br />
seria simplesmente o sorteio da grande loteria da Espanha?<br />
Nada disso. A parte folgazã da população do Rio de Janeiro delirava de<br />
entusiasmo, apenas porque no vasto e constelado horizonte da bela pândega<br />
fluminense, raiara uma nova estrela, bonitona e petulante, ameaçando ofuscar, só<br />
com a sua brilhante aparição, todas as outras que cintilavam no satânico empírio.<br />
Era a ordem do dia a "<strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>". Por todo o ruidoso centro do<br />
prazer carioca se falava com febre da deslumbrante criatura, que atravessara a rua<br />
do Ouvidor vestida de veludo carmesim bordado a ouro, faiscante de rica pedraria e<br />
jóias orientais.<br />
Vinha diretamente de Paris, depois de percorrer todas as capitais do mundo,<br />
em que mantém no vício-amor o seu mercado alto. Trazia de comitiva um secretário<br />
louro, membrudo, barbado e enluvado, que lhe dava o tratamento de "Alteza", e um<br />
grande mono das Antilhas, que na rua lhe carregava a bolsinha de mão e lhe abria<br />
com irresistível graça a portinhola do carro.<br />
Um delicioso escândalo!<br />
Todos corriam a vê-la, todos a queriam conhecer. Inventaram-se logo em<br />
torno dela mil lendas e tradições. Uns a diziam artista, sem dúvida judia e grega, que<br />
só entre essas poderia haver mulher tão formosa; outros protestavam com orgulho<br />
ser a <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>, brasileira legítima, que em Paris casara com um fidalgo<br />
russo e depois fugira com um tenor italiano; outros enfim pretendiam que ali andava<br />
maganice alta de príncipes, e citavam confusamente, de ouvido em ouvido, o nome<br />
do Duque de Saxe e do Conde d'Eu.<br />
Essa estranha condessa era nada mais nada menos que Ambrosina. É que<br />
três anos haviam decorrido sobre os acontecimentos relatados no último capítulo,<br />
três anos que, dia a dia, nada apresentam digno de nota, mas que vistos em<br />
conjunto representam nestas Memórias um importante período de transformações.<br />
Durante esse tempo, tudo e todos se foram modificando lentamente, menos<br />
a velhinha Benedita. Desde o Médico Misterioso até o nosso recente Gustavo,<br />
grandes transformações operaram. Genoveva, a legítima descendente da flor das<br />
lavadeiras do Rocio Pequeno, já não mora na sua casinha do Engenho Novo; novas<br />
dificuldades depois da morte do seu homem e a sua índole rasteira, carregaram com<br />
ela para um cortiço, ficando a casinha alugada por oitenta mil-réis mensais. Tal<br />
mudança, digamos francamente, não foi penosa à mãe de Ambrosina, e cremos até<br />
que, de muito antes estaria realizada, a não ser certa consideração ao então<br />
restaurado Alfredo.<br />
Genoveva tirava bom partido dos seus cinqüenta anos. A gordura parecia<br />
querer cortar-lhe a atividade, ela porém, azafamada e forte reagia, levantado-se às<br />
quatro da madrugada, e mourejando que nem um negro durante o dia inteiro. Nunca<br />
se sentira tão bem como ali, com seu ruidoso par de tamancos, toalha à cabeça o<br />
vestido enrodilhado nos quadris, e toda escorreita e sacudida a bater a sua roupa,<br />
entre a deferência e a estima das colegas.<br />
Os moradores do cortiço tinham por ela um respeito particular, davam-lhe o<br />
tratamento de dona e falavam misteriosamente de uma filha, que lhe entrara para o<br />
convento; de um comendador, que desaparecera arrebatado por desgostos, e<br />
finalmente de uma riqueza, de cegar! escondida no quintal da casinha do Engenho<br />
Novo.<br />
E a viúva do comendador açulava inconscientemente tais fantasias, porque,<br />
gostando aliás de tagarelar o seu bocado nas horas de descanso, fugia sempre da<br />
conversa quando lhe tocavam nos parentes, ou lhe remexiam no passado.<br />
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