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Entre essa gente destacava-se D. Ursulina, casada com um negociante<br />
inglês, que se tornava muito notável entre os de sua raça, porque jamais ia além do<br />
primeiro copo. Tinha o casal duas filhas, uma das quais fazia as delícias dos<br />
rapazes namoradores, e a outra os cuidados da mãe, que enxergava nela, com<br />
olhos experimentados, todas as qualidades precursoras de um eterno celibato.<br />
A namoradeira chamava-se Emília e acudia o chistoso nome de Nhanhã<br />
Miló; a outra era pura e simplesmente Eugênia. Uma bonita; e a outra simpática.<br />
Miló era travessa, alegre, faceira; tinha os olhos vivos, a língua solta, o pé<br />
ligeiro e um moreninho delicioso. A outra era tristonha e pálida, de olhos azuis, os<br />
movimentos compassados, os gestos frios; entretinha-se esta em casa a ler revistas<br />
inglesas, à noite, antes do chá, enquanto Miló cantarolava uma modinha ao piano ou<br />
ia para o portão da chácara ver quem passava na rua. Emília puxara à mãe; Eugênia<br />
saíra ao pai.<br />
Da família, a mais tola era Ursulina, cuja conservação dos seus fugitivos<br />
dotes de beleza a trazia em constante e ridículo sobressalto.<br />
O marido nunca dera por isso. Fora sempre um verdadeiro negociante inglês<br />
— seco, áspero, sem bigode, falando português a socos, e mostrando-se<br />
sistematicamente indiferente a tudo que não fosse de interesse prático.<br />
À noite lia o Times ou jogava O wist com Eugênia, a sua filha predileta.<br />
Ainda convém citar dois tipos da roda fiel do comendador:<br />
Um era o Reguinho. Rapaz de vinte e tantos anos, filho de um fazendeiro<br />
estúpido e rico, que lhe fornecia dinheiro para a pândega. Muito conhecido; todos<br />
sabiam das suas asneiras e até de uma ou outra estrangeirinha, mas ninguém lhe ia<br />
às mãos por isso.<br />
A sua linha mais acentuada, a sua mania, a sua moléstia, era a mentira. O<br />
Reguinho mentia por hábito, mentia por índole, por gosto; mentia, porque mentia.<br />
Não estava em suas mãos proceder de outro modo: ele às vezes, coitado!<br />
não tinha intenção de dizer senão a verdade mas era bastante que suas palavras<br />
produzissem algum efeito em quem as escutasse, para vir logo a primeira mentira,<br />
abrindo a porta a um chorrilho delas. E ei-lo a aumentar, a exagerar, a meter no<br />
assunto episódios falsos; a dizer, enfim, aquilo que não era, e a mentir.<br />
Um dia, encontrou ele na rua o infortunado viúvo de Ana, a quem conhecia<br />
de longa data. O pobre de Cristo, desde que perdera o emprego, vivia por aí aos<br />
paus, comendo a maior parte das vezes em casa do sogro ou nas águas de alguma<br />
velha amizade de melhores tempos.<br />
— Vem cá, homem! como vai tu? disse-lhe o intrujão, batendo-lhe no ombro.<br />
O Marmelada queixou-se da sorte com a resignação tétrica.<br />
— Andas apoquentando, meu... (Queria dizer-lhe o nome, mas não se<br />
lembrava dele) — Como é mesmo que te chamas?...<br />
— Já nem de meu nome te lembras!... Também o que há nisso de<br />
extraordinário? outros nem sequer me conhecem mais!...<br />
O Reguinho deu a sua palavra de honra em como se esquecia do nome de<br />
toda a gente.<br />
— Chamo-me Alfredo da Silva Bessa...<br />
— É isso! é! Mas tu estás desempregado, heim, meu Bessa?<br />
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