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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

E, tomando a que a ele próprio era dirigida, avidamente a abriu, depois de<br />

acender um bico de gás, em vez de abrir as janelas.<br />

Logo com ver as primeiras palavras, um estremecimento nervoso lhe<br />

percorreu o corpo.<br />

Tornou a assentar-se, e concentrou-se na seguinte leitura:<br />

"Gabriel,<br />

"Perdoa-me. Sou muito menos culpada do que é do teu direito acreditares.<br />

"Enquanto me foi possível consagrar-te todo o amor de mulher que em mim<br />

havia, dei-me inteira aos teus braços e à tua boca; fui tua nos teus longos dias de<br />

tédio, fui tua nas tuas ligeiras noites de gozo. Hoje, porém, que te amo mais talvez,<br />

tudo isso me é vedado por uma sinistra transformação que se apossou do meu ser,<br />

abalando-o até na sua própria essência. Este corpo que beijaste com tanto amor de<br />

homem, só tem hoje de mulher a forma primitiva, habita-o agora a alma de um<br />

demônio sexual e lúbrico, a quem desgostam as triviais carícias masculinas.<br />

"Ë minha carne rebelde repugna agora o rijo contacto da musculatura dos<br />

hércules, e sorri ao doce e curvilíneo afago da linha dos ganimedes. A estrela que<br />

me viu nascer foi Vênus, mas Amor não é para mim um nu e meigo infante de olhos<br />

vendados, é uma frívola boneca, cheia de rendas e fitas.<br />

"O Brasil, verde cru e úmido, sufoca-me; a sociedade em que nasci repeleme<br />

e eu rejeito a única que me abre o seio; o homem, qualquer que ele seja, encheme<br />

de desprezo por mim e por ele. Todavia, entre esses duros e barbados<br />

dominadores da fêmea, eras tu, meu pobre amigo, o menos vaidoso, o menos<br />

covarde e o menos egoísta. Mas, nem por isso deixas de ser homem, e eu te fujo,<br />

para te não ultrajar com uma ternura que não pertencer ao teu sexo.<br />

"Será aberração moral? Será depravação física? Seja o que for, não poderia<br />

eu de hoje em diante ficar ao teu lado, sem te enganar a todos os momentos. Fujo<br />

para longe de nós dois, na esperança de viver entre desconhecidos e separada de<br />

mim mesma. Uma multidão de estrangeiros é o mais completo isolamento em que<br />

eu conheço andar entre eles é vagar entre sombras de estátuas. Terás ao menos no<br />

teu abandono a consolação de que nunca pertencerei a outro homem; este corpo<br />

que te arranco das mãos jamais cairá nas garras de outro dono. Ah! isso juro-te eu<br />

pelos olhos e pelos cabelos de minha Laura! E adeus.<br />

"O que aí vai escrito, é a expressão franca da verdade. Despejei o coração<br />

até ao fundo para ficar mais leve, e fugir-te mais ligeira; basta-me o preço que lá<br />

levo do teu dinheiro! Tens que me absolver com o teu perdão, ou me amaldiçoar<br />

com uma perseguição judicial. Não consultes para esse fim o teu coração, consulta<br />

só o teu espírito, e, conta, no primeiro dos casos, com o meu reconhecimento de<br />

bom camarada. — Ambrosina."<br />

Gabriel soluçava ao terminar a leitura. Só então erguendo o rosto, deu com<br />

Jorge, que havia entrado sem ser percebido.<br />

— Caramba! disse este. O senhor ainda aqui?! Pois não partiu?!<br />

Gabriel respondeu com um gesto desabrido, e apontou-lhe para o toucador<br />

onde se achavam as cartas.<br />

— Pois o tal Melo está seguro até à meia-noite! acrescentou o cocheiro,<br />

tomando a carta que lhe era dirigida. Mas o senhor dessa forma não pilha o vapor!...<br />

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