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Alfredo atravessou a sala com o seu passo discreto e medido, passou<br />
cuidadosamente o velho chapéu de copa alta sobre um traste, e foi colocar-se à<br />
cabeceira do coronel.<br />
— Então, que história foi essa? perguntou ele ao doente, com um sorriso<br />
que pretendia animar, mas que só conseguia entristecer.<br />
— Ora, o que há de ser? São aquelas malditas mofinas, que há tantos anos<br />
me perseguem, como se eu fosse algum malvado!<br />
E possuindo-se de cólera:<br />
— Com todos os diabos! será possível que tenha eu inspirado um ódio tão<br />
grande e tão rancoroso, que, ao cabo de tanto tempo, em vez de extinguir-se,<br />
recrudesça com mais fúria?! Mas, com milhão de metralhas! qual foi o meu delito? A<br />
quem prejudiquei em meu caminho? a quem tirei o pão? a quem roubei a honra? a<br />
quem procurei arrancar a vida?!<br />
E voltando-se para o genro, exclamou, agoniado, e febril:<br />
— Dou-te minha palavra de honra, meu bom amigo, que não me dói a<br />
consciência de haver feito mal a ninguém! Às vezes perco a noite a cogitar de quem<br />
será o dedo que trama na sombra esta luta implacável contra a minha<br />
tranqüilidade!... Não atino, não acerto! Ah! não poder eu descobrir, não poder<br />
esmagar nestas velhas mãos o réptil infame, que me rói as entranhas!<br />
E o coronel repisou, com uma grande excitação:<br />
— Esmagava-o! Juro que o esmagava!<br />
— Está bom, está bom! não vale a pena exaltar-se... O caluniador há de ser<br />
descoberto! O que se faz neste mundo que não se venha a saber?...<br />
— Palavras! e só palavras! Sinto que vou já resvalando para a cova, e que<br />
afinal rolarei por uma vez sem descobrir quem foi o infame que me amargurou os<br />
últimos anos de minha vida!<br />
— Lá voltam as idéias tristes! observou Alfredo, com um gesto de<br />
reprovação. Conversemos noutra cousa. Veja se afasta do espírito semelhantes<br />
pensamentos...<br />
O coronel continuou, sem fazer caso das palavras do genro:<br />
— Pressinto debaixo dos pés a aridez pavorosa do meu próprio despojo... Já<br />
preciso olhar para trás, quando quero olhar para a vida. Sinto-me só e a solidão me<br />
aterra; procuro em torno de mim os afetos que me aqueceram e consolaram o<br />
coração noutros tempos mais felizes, e só vejo sombras, fugitivas e vaporosas...<br />
Onde estão meus rudes companheiros de trabalho?... onde estão meus amores da<br />
mocidade!... onde foram desabrochar os lírios que plantei no lar, contando com as<br />
amarguras da velhice!... Tudo falhou, tudo murchou, e tudo fugiu!...<br />
E o coronel, possuído completamente do delírio da febre, levantou-se do<br />
leito, com o seu longo vulto amortalhado no cobertor.<br />
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