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www.nead.unama.br<br />
de romper por amor do teu amor... Sonhos, esperanças, ideais, tudo calquei aos<br />
pés, para às cegas seguir o destino que teus olhos avistassem! Tu não tens<br />
coragem para deixar um vestido à moda e um carro, e eu tive para abandonar o<br />
caminho que conduz a todas as considerações públicas e a todas as felicidades<br />
íntimas! Ah, não! tu não me amas, desgraçada! tu nunca a ninguém amaste!<br />
— Como te enganas!... murmurou Ambrosina, com um suspiro profundo. Oh,<br />
se amei!<br />
— Ah!<br />
— Oh, se amei! Tudo o que agora sintas, e muito mais, tudo isso já passou<br />
por esta alma perdida e gasta!... Pede a Deus nunca te faça a ti sofrer o que eu<br />
sofri...<br />
— Ah! então tu não me amas, porque já amaste demais? Não me amas<br />
porque foste já inteiramente de outro?! Oh! por piedade não me mates deste modo!<br />
por piedade não me fales em outro homem!<br />
E Gustavo, arfando, deixou-se cair em uma cadeira, a segurar a cabeça com<br />
as duas mãos.<br />
— Não foi um homem... segredou Ambrosina, indo afagar-lhe os cabelos.<br />
Põe à larga o coração e reprime os teus zelos... Vou confiar-te um manuscrito, que<br />
outros olhos não viram além dos meus... Se o leres, ficarás inteiramente tranqüilo...<br />
e talvez curado.<br />
— Um manuscrito?<br />
— Sim, querido, uma simples nota de minha pobre vida, mas pela qual<br />
poderás penetrar até ao fundo do meu coração, e de lá voltares sarado para sempre<br />
da poética ilusão de amor que te inspirei. Espera um instante.<br />
E daí a pouco voltava ela com um pequeno livro de capa negra, que passou<br />
a Gustavo.<br />
Este abriu o livro, e leu na primeira página:<br />
"LAURA"<br />
— Que significa este nome? exclamou o rapaz.<br />
— Lê! disse Ambrosina. É quase nada... obra de alguns minutos de leitura...<br />
Gustavo afastou o reposteiro da janela e, à luz que vinha de fora coada<br />
pelas cortinas, começou a ler o seguinte:<br />
"Era no inverno, um céu de lama enlameava a terra. Eu vagava pelas ruas,<br />
sem destino, embriagada e foragida.<br />
"Nesta noite havia rompido com o meu amante, o meu primeiro homem,<br />
porque a súbita loucura do outro, que tive por marido, não lhe deu tempo para me<br />
fazer mulher.<br />
"Na questão com meu amante era deste a razão e minha toda a culpa: fora<br />
eu nessa mesma tarde surpreendida por ele a traí-lo, ao fundo da chácara, sob um<br />
caramanchão de jasmins, com um miserável que lhe parasitava a bolsa e lhe<br />
corrompia o caráter.<br />
"Fugi de casa com medo que ai me matassem numa crise de ciúmes, e<br />
quando me achava lá fora, prestes a sucumbir ao cansaço e ao desamparo, fui<br />
socorrida por um pobre homem, generoso e rude, que carregou comigo e me<br />
recolheu ao leito virginal de sua idolatrada filha.<br />
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