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O livro Urgente Da Politica Brasileira

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“O estudo da história é o começo da sabedoria política.”<br />

Jean Bodin (1530 - 1596), jurista e filósofo francês<br />

Se há uma palavra que pode definir a relação do brasileiro com o Estado, esta palavra é patrimonialismo. O<br />

patrimonialismo é a confusão entre o público e o privado, uma falta de fronteiras entre as esferas do Estado e do<br />

pessoal. Esta foi uma característica de todos os estados absolutistas europeus, quando não havia distinção entre<br />

o dinheiro público e o do rei, que considerava o Estado o seu próprio patrimônio (daí o nome) e o utilizava<br />

indistintamente de seus bens pessoais. O patrimonialismo – que é apenas um dos muitos “ismos” da nossa<br />

cultura política - foi trazido ao Brasil pelo Estado português e aqui criou raízes. Apesar da substituição oficial do<br />

patrimonialismo pela burocracia como forma de administração do Estado, a cultura patrimonialista perdura até<br />

hoje na cultura dos políticos e do povo.<br />

O patrimonialismo também confunde o significado do público: o que deveria ser considerado de todos, é também<br />

entendido como de ninguém; e o que é de ninguém está livre para ser tomado pelo primeiro que chegar. Quando<br />

uma pessoa tem acesso ao dinheiro público e entende que ele é de ninguém, é muito mais fácil justificar a sua<br />

apropriação; da mesma forma, pessoas que depredam e roubam o patrimônio público nas ruas talvez não<br />

entendam que aquele patrimônio não está ali sem dono, pois também é seu e de toda a sociedade. A quantidade<br />

de lixeiras, orelhões, cabos elétricos, carteiras em escolas, veículos e outros bens que o poder público se vê<br />

frequentemente obrigado a consertar e substituir é extremamente elevada, muito longe do que poderia se<br />

esperar de um povo com uma ideia de “público” como bem de todos.<br />

Outra inversão de valores comum aos brasileiros é o entendimento de que o Estado é que dá os direitos aos<br />

cidadãos, e assim as pessoas aguardam que governos benevolentes, liderados por políticos preocupados com o<br />

povo – mas que geralmente são demagogos e só usam este discurso para chegar ao poder -, garantam mais<br />

direitos aos cidadãos. Seria muito mais salutar entender que o Estado é uma instituição da sociedade e é esta que<br />

dá direito ao Estado de executar as suas tarefas e interferir na vida das pessoas até um nível considerado<br />

aceitável. Numa democracia liberal os direitos do cidadão são fundamentais e nenhuma pessoa deve esperar<br />

autorização do Estado para exercê-los; pelo contrário, o Estado é que deve procurar a autorização da sociedade<br />

para exercer o seu poder. Aliás, esta é a essência do liberalismo político, a base das democracias modernas que<br />

garantem direitos aos indivíduos.<br />

Na mesma linha de pensamento, muitos brasileiros ainda veem o Estado como uma fonte inesgotável de recursos<br />

e benefícios; infelizmente, nem todos os brasileiros entendem que o Estado se financia pelos impostos que são<br />

pagos pela própria sociedade com recursos que poderiam ser usados em outras finalidades, e que a utilização<br />

destes valiosos recursos deve ser muito bem pensada e executada com a maior responsabilidade.<br />

Outra variação deste pensamento é a questão da “meia-entrada”, pelo qual o Estado estabelece benefícios para<br />

alguns setores da sociedade – geralmente bem organizados, ruidosos e com conexões políticas -, transferindo o<br />

custo destes benefícios para o resto da sociedade. Como no caso do pagamento da “meia-entrada” em cinemas,<br />

teatros, shows e outros eventos, em que tantas pessoas têm direito a pagar a meia-entrada que os<br />

estabelecimentos acabam cobrando mais pelos ingressos integrais e repassando a diferença dos custos para<br />

aqueles que não têm o benefício.<br />

Neste esquema os que estão na ponta recebedora do benefício consideram-no de grande importância e têm<br />

grande incentivo em defendê-lo, saindo às ruas e pressionando políticos; do outro lado, o custo é diluído por toda<br />

a sociedade e o custo individual é relativamente pequeno, dando poucos incentivos para alguém agir contra o<br />

benefício. Esta filosofia acaba sendo aplicada em inúmeras situações, com o Estado repassando algum custo de<br />

um setor para outro da sociedade, sem que, no entanto, gere mais bem estar social. Tudo o que o Estado faz ou<br />

obriga as pessoas a fazerem tem um custo para a sociedade como um todo.<br />

Enfim, o brasileiro deve entender que o Estado é parte da sociedade. Não faz sentido colocar-se como vítima do<br />

Estado ou entender a situação como se fossemos “nós” contra “eles”. O Estado brasileiro não surgiu do nada e<br />

não é composto por políticos alienígenas que desceram a Terra e tomaram o poder; somos nós que os colocamos

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