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O livro Urgente Da Politica Brasileira

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objetivo de manter a integridade nacional e evitar a fragmentação territorial e política, como ocorreu com as<br />

colônias espanholas na América do Sul. Já a Constituição de 1893, a primeira Constituição republicana e que se<br />

baseou na Constituição dos Estados Unidos, teve como objetivo contrapor alguns aspectos do período<br />

monárquico, descentralizando o poder e adotando o federalismo. Já a Constituição atual do Brasil, promulgada<br />

em 1988, foi elaborada após um longo e traumático período autoritário ao qual tentava se opor, o que explica a<br />

sua ênfase em aspectos sociais e longas listas de direitos. Por isso, não é justo criticar as constituições do passado<br />

com os olhos e valores de hoje, sem entender a realidade e as possibilidades políticas de cada época.<br />

Um fator importante das transições comentadas no parágrafo anterior foi o continuísmo, que possibilitou<br />

transições políticas relativamente pacíficas e sem rupturas. A independência do Brasil foi proclamada pelo filho<br />

do rei de Portugal (Dom Pedro I), a proclamação da República foi encabeçada por um ex-ministro e apoiador da<br />

monarquia (Marechal Deodoro da Fonseca) e o primeiro presidente civil do Brasil após o Regime Militar foi um<br />

político (José Sarney) que fez carreira no partido de apoio aos militares (ARENA). Embora cada Constituição<br />

tentasse se opor à anterior ou resolver um problema político premente, sempre houve uma certa continuidade<br />

que evitou rupturas na estrutura social e política, ou seja, o poder político não mudou muito de mãos. Isto é bom<br />

por um lado, pois evita a desordem, violência e as incertezas de transições problemáticas, mas por outro lado<br />

impede o aproveitamento destas transições para a realização de reformas significativas.<br />

Mas, afinal de contas, uma história cheia de mudanças constitucionais é um bom ou mau sinal? Uma história<br />

cheia de constituições não é intrinsecamente boa ou má. Países com muitas constituições podem ter histórias<br />

políticas mais atribuladas, mas não necessariamente isto significa que não houve progresso político e social, assim<br />

como países sem Constituição não estão parados no tempo e podem ter evoluído politicamente de maneira mais<br />

incremental e com menos rupturas do que aqueles com muitas mudanças.<br />

Talvez o exemplo de constitucionalismo mais estável que existe é o dos Estados Unidos, cuja Constituição é de<br />

1788 e é a segunda mais antiga em vigência atualmente - atrás somente da Constituição de San Marino adotada<br />

em 1600 - e que incorporou somente 27 emendas até hoje. Mas estas são exceções: a grande maioria das<br />

constituições do mundo tem menos de 25 anos de vigência.<br />

O Reino Unido não tem uma Constituição e o Estado funciona baseado em leis de costume e uso comum, o que<br />

parece suficiente em vista de sua longa história de estabilidade política. A Espanha está em sua 12ª Constituição<br />

desde o fim da monarquia absolutista em 1808. Já a França teve uma evolução política mais conturbada e com<br />

mais rupturas, já tendo adotado 15 constituições desde a Revolução Francesa em 1789, incluindo as “cartas de<br />

leis” dos períodos de retorno monárquico, e hoje está no que é chamado de sua Quinta República. O importante<br />

é perceber que embora todos estes países tenham histórias bem diferentes, alguns com mais obstáculos do que<br />

outros, atualmente todos eles são considerados modelos de estabilidade política, democracia, garantias de<br />

direitos individuais e boas instituições de Estado. Entretanto, a constante revisão de constituições também não<br />

garante a resolução dos problemas de um país - a Bolívia está em sua 17ª Constituição, mas ainda tem problemas<br />

sociais, políticos e econômicos muitos sérios a resolver.<br />

Mas as revisões constitucionais não devem ser entendidas somente como o resultado de revoluções ou mudanças<br />

de regime; normalmente elas ocorrem nestas ocasiões, mas na história recente está cada vez mais comum a<br />

revisão de constituições de forma pacífica e sem rupturas. É como se de tempos em tempos a sociedade<br />

percebesse que evoluiu e que o atual arranjo constitucional não atende mais aos seus anseios, necessitando<br />

assim de um novo acordo entre Estado e sociedade. Aliás, nem é razoável pensar que uma sociedade deverá viver<br />

para sempre sob a mesma Constituição; isto é o equivalente a pensar que a história acabou e que a sociedade não<br />

mudará mais, uma ideia que está longe da realidade.<br />

Portanto, é importante que o sistema político seja flexível o suficiente para conseguir acomodar um processo de<br />

revisão constitucional, ao risco de sofrer com revoluções e revoltas motivadas por frustrações que não são<br />

atendidas. A América Latina foi palco de diversas revisões constitucionais nas últimas décadas: nos anos de 1980,<br />

com o fim de diversas ditaduras militares, várias novas constituições democráticas foram promulgadas e o<br />

processo continua, com exemplos mais recentes sendo: Colômbia em 1991, Argentina em 1994, Venezuela em

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