Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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Foi nomeado comissário francês por Napoleão Bonaparte. Na colônia, para onde viajou<br />
a serviço, Raimond acabou se alinhando a Toussaint L’Ouverture, o principal líder negro<br />
da revolução naquela época. Tornou-se um dos subordinados do líder dos escravos,<br />
responsável pelo grupo que criaria a Constituição de São Domingos. O imperador<br />
Napoleão, contrariado com as decisões de seu funcionário, ao enviar tropas para retomar<br />
o poder de São Domingos deu ordens expressas para que os oficiais franceses<br />
prendessem o comissário. Julien Raimond morreu de causas naturais, com quase 80 anos,<br />
duas semanas antes de as fragatas francesas chegarem aos portos da ilha para prendê-lo.<br />
Jean Kina, de escravo a coronel britânico<br />
No sul de São Domingos, as revoltas escravas não foram tão expressivas quanto no<br />
norte, mas os fazendeiros brancos enfrentaram os ataques dos fazendeiros mulatos. Para<br />
se defender, montaram tropas com seus próprios trabalhadores. Muitos escravos se<br />
alistavam animados, pois, ao se tornarem soldados, recebiam uniforme de guerra – um<br />
tremendo símbolo de status – comiam carne quase todo dia (um luxo até mesmo para os<br />
ricos) e vislumbravam a possibilidade de conquistar a liberdade em recompensa a seus<br />
feitos heroicos. Foi nesse cenário que o escravo negro Jean Kina passou, em menos de<br />
sete anos, de mero escravo de uma fazenda de algodão para coronel do exército<br />
britânico, dono de terras e de dezenas de escravos.<br />
Jean Kina foi provavelmente trazido da África quando criança. Em 1791, tinha ao<br />
redor de 40 anos. Era uma espécie de líder informal dos escravos de uma fazenda de<br />
algodão, onde trabalhava como carpinteiro. Já nessa época devia inspirar confiança em<br />
seu dono, pois foi dado a ele o comando de uma tropa de 60 homens e a responsabilidade<br />
de vigiar a comunidade de Tiburón, onde sua fazenda se localizava. A habilidade tática e<br />
o carisma que exercia sobre os escravos impressionaram os brancos – em pouco tempo<br />
Jean Kina já liderava uma tropa de 200 soldados. Seu maior feito ocorreu no verão de<br />
1792. Cerca de 700 escravos rebeldes tinham fugido de suas senzalas e se escondido na<br />
fortaleza de Les Platons. Tropas do governo tentaram invadir o forte, sem sucesso. Foi<br />
Jean Kina e seus homens que realizaram uma heroica invasão à fortaleza e devolveram os<br />
rebeldes às senzalas. Como prêmio, Jean ganhou medalhas, uma pensão mensal e mais<br />
centenas de escravos para seu comando.<br />
O mais impressionante em Jean Kina é que ele lutava em defesa do sistema escravista<br />
por convicção, não só porque era obrigado a cumprir ordens. Ardoroso defensor da<br />
escravidão, tentava convencer seus colegas quanto aos perigos da liberdade. Em 1793,<br />
mandou cartas para amigos de fazendas vizinhas. Pedia ajuda para lutar contra “o erro<br />
que hoje em dia cega um bom número de negros, que acreditam na liberdade, crianças<br />
gananciosas tomadas pelo fanatismo republicano”. “Você lembra quantas vezes era mais<br />
feliz quando tinha um rei?”, perguntou a um conhecido. E teorizou:<br />
Infelizes escravos! Vocês foram levados a acreditar que eram homens livres, quando isso é apenas uma ilusão. É<br />
cumprindo seus deveres com seus donos que vocês se tornarão livres. 206<br />
Alguns historiadores explicam essa simpatia com o cativeiro por meio do tipo de