Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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As punições incas incluíam torturas, apedrejamentos e castigos físicos dos mais inventivos. Aqueles azarados que<br />
fossem acusados de traição ao soberano do império eram jogados em calabouços cheios de cobras e onças. Esses<br />
animais eram encomendados por Cuzco das províncias a leste dos Andes, onde havia florestas e fauna amazônicas.<br />
Quem conseguisse sobreviver por três dias nos calabouços ganhava a liberdade. 81<br />
Entre aqueles que haviam sido dominados por Atahualpa ou que tinham se aliado ao<br />
irmão dele, Huáscar, na disputa pela soberania do império, a morte de Atahualpa os<br />
salvou de anos de trabalhos forçados, de punições e até mesmo da morte. “Os aliados de<br />
Huáscar e inúmeros grupos étnicos ficaram radiantes com a notícia, enquanto os<br />
partidários de Atahualpa ficaram irritados e inconsolados. Os nativos Xauxa e Wanka,<br />
que estavam do lado de Huáscar, comemoraram a morte nas ruas. A população local<br />
imediatamente se aliou aos espanhóis e começou a abastecê-los com os estoques reais de<br />
comida”, conta o arqueólogo Terence D’Altroy, um dos maiores especialistas em<br />
Império Inca dos dias de hoje. “Talvez metade das pessoas dos Andes estivesse disposta<br />
a se aliar aos espanhóis para se salvar da sangrenta vingança que as forças de Atahualpa<br />
já vinham promovendo com muitos partidários de Huáscar.” 82 A historiadora peruana<br />
María Rostworowski, também uma grande referência no assunto, tem a mesma opinião:<br />
Os senhores locais se aliaram aos espanhóis e os ajudaram a realizar a conquista. Desse ponto de vista, não foi um<br />
punhado de aventureiros que derrubou o Império Inca, mas os próprios nativos andinos, infelizes com a situação e<br />
acreditando estar em circunstâncias favoráveis para voltar a viver em liberdade. 83<br />
Viviam os incas em 1984?<br />
No começo do século 20, os incas caíram no gosto dos historiadores marxistas por<br />
causa da forma coletiva com que organizavam a terra e pela simplicidade e disciplina<br />
com que se dedicavam ao trabalho. Essa semelhança inspirou alguns intelectuais que<br />
lutavam pela implantação do comunismo nos Andes. O jornalista José Carlos Mariátegui,<br />
um dos fundadores do Partido Comunista Peruano, considerava os incas “a mais<br />
avançada organização comunista primitiva que a história registra”. Conforme o que ele<br />
pregou no livro Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, era preciso ir<br />
além do comunismo rural dos incas, pois “uma nova ordem não pode renunciar a nenhum<br />
dos progressos morais das sociedades modernas”.<br />
Os incas foram mais um povo a mumificar seus mortos ilustres. A diferença é que as múmias incas participavam da<br />
vida social do império. Carregadas em liteiras e vestidas em roupas finas, integravam de reuniões políticas a conselhos de<br />
guerra. Seus parentes ainda as levavam para visitar umas às outras e davam-lhes comida e chicha (a tradicional bebida<br />
andina à base de mandioca ou milho). 84<br />
O que os incas tinham de mais próximo da escrita eram os quipos, um misterioso sistema de guardar informações por<br />
meio de nós em emaranhados de fios de lã. A posição e o número de nós indicavam quantidades. E a cor dos fios<br />
representava o tema do registro: população, quantidade de grãos estocados, impostos recolhidos.<br />
Obviamente é impreciso chamar os incas de comunistas. A visão de mundo e as<br />
motivações dos índios andinos eram de outra galáxia – basta lembrar que as múmias dos<br />
líderes pregressos participavam das reuniões de Estado. No entanto, alguns traços da<br />
vida inca lembram, sim, o comunismo. O Estado inca controlava quase todos os meios de<br />
produção: as fazendas, os rebanhos de lhamas e vicunhas, os armazéns de comida.<br />
Regiões agrícolas eram abastecidas com ferramentas e roupas produzidas pelo Estado em