Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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Toussaint dizia que a liberdade dos escravos só seria garantida com a prosperidade da<br />
agricultura. É verdade, assim como o fato de que os negros poderiam continuar em<br />
pequenas propriedades, vendendo a produção de cana para engenhos controlados pelo<br />
governo. As grandes fazendas, porém, traziam vantagens militares – e preocupar-se com<br />
o poder militar não era demais naquela época. “Toussaint precisava da renda das grandes<br />
plantations para manter seu exército. Para assegurar a lealdade de seus oficiais, deu<br />
grandes terras a muitos deles. Começou assim a criar uma sociedade dominada por<br />
negros, mas ainda com uma grande desigualdade entre a elite e a massa da população”,<br />
afirma o historiador americano Jeremy Popkin. 218<br />
De qualquer modo, o sistema semiescravista de Toussaint era leve se comparado aos<br />
que viriam depois. Em 1802, o imperador francês Napoleão Bonaparte, temendo o poder<br />
excessivo de Toussaint em São Domingos, invadiu a colônia para destituí-lo do cargo.<br />
Entre os mais de 30 mil soldados enviados ao Caribe, havia até mesmo legionários<br />
poloneses (veja quadro na página anterior). Toussaint, enfraquecido depois que seus<br />
generais Jean-Jacques Dessalines e Henry Christophe passaram a apoiar os franceses,<br />
acabou capturado e enviado a uma prisão num castelo em Doubs, na fronteira com a<br />
Suíça, onde morreu de pneumonia.<br />
Enquanto isso, no Caribe, seus generais romperiam a aliança com a França para voltar<br />
a lutar contra ela. Em 1803, Dessalines conseguiu expulsar os franceses, declarando<br />
independência da colônia um ano depois. Deu a ela o nome de “Haiti”, um antigo termo<br />
com que os índios chamavam a ilha. Dessalines, porém, seria logo vítima de uma<br />
conspiração de seus próprios seguidores: morreu em 1806 tentando reprimir uma revolta.<br />
Depois dele, o Haiti se dividiria em dois: ao sul e a oeste, o mulato Alexandre Pétion<br />
manteria a República; ao norte, Henri Christophe, antigo general rebelde, criaria um<br />
reino independente. Foi com ele que a tragédia da Revolução do Haiti, já tão cheia de<br />
episódios estranhos, chegaria a seu ponto mais extravagante.<br />
Henri Christophe e o ápice da loucura<br />
Henri, pela graça de Deus e a Lei Constitucional do Estado, Rei do Haiti, Soberanos das Ilhas da Tortuga, Gonave e<br />
outras adjacentes, Destruidor da Tirania, Regenerador e Benfeitor na Nação Haitiana, Criador de Instituições Morais,<br />
Políticas e Guerreiras, Primeiro Monarca Coroado no Novo Mundo, Defensor da Fé, Fundador da Ordem Real e Militar<br />
de Saint-Henri.<br />
O título que o general Henri Christophe deu a si próprio é o bastante para imaginar<br />
como foi o seu governo. Autonomeado rei Henri I em 1811, ele ultrapassou os líderes<br />
brancos, negros e mulatos do país tanto em tirania quanto em loucura.<br />
As leis que Henri I promulgou chegavam à intimidade dos cidadãos. O “Código Henri”<br />
proibia casais de morar ou dormir juntos sem se casar, mandava prender casais de<br />
solteiros surpreendidos à noite na mesma casa e vetava o divórcio. O rei ainda estipulou<br />
pena de morte a ladrões e chicotadas aos que eram flagrados em mau comportamento.<br />
Para reavivar a produção de café e cana-de-açúcar em grandes fazendas, praticou uma<br />
perseguição ainda mais brutal aos cidadãos que preferiam permanecer isolados do<br />
mundo em pequenas propriedades. 219 Ao passear pelo reino, mandava prender ou surrar