Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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toda a história do mundo e a única da América em que os rebeldes acabaram<br />
vitoriosos. 184 Hoje, dois séculos depois, há no centro de Porto Príncipe, a capital do<br />
Haiti, uma estátua em homenagem ao rebelde negro desconhecido, como Mercier<br />
imaginou.<br />
A ilha de Hispaniola, onde estão o Haiti e a República Dominicana, foi onde o navegador Cristóvão Colombo<br />
estabeleceu a primeira colônia europeia, em 1492. A Espanha dominou a ilha até 1697, quando reconheceu a existência<br />
de colonos franceses da parte oeste e cedeu metade da ilha para a França. O território ficou dividido em duas colônias<br />
com nome parecido: Santo Domingo, do lado espanhol (hoje República Dominicana), e Saint-Domingue, ou São<br />
Domingos, do lado francês, hoje Haiti.<br />
Nas primeiras plantations de São Domingos, servos brancos trabalhavam ao lado dos negros. Eram os engagés,<br />
trabalhadores com um pouco mais de direitos que os de origem africana. Depois de três anos de trabalho forçado e<br />
cativeiro, conquistavam a liberdade.<br />
No entanto, ao contrário da previsão do jovem escritor francês, a Revolução Francesa,<br />
em 1789, e a do Haiti dois anos depois não resultaram num mundo perfeito. Até então,<br />
São Domingos era uma das regiões mais prósperas do planeta. Seu território era ocupado<br />
por centenas de grandes fazendas de monocultura de exportação, as plantations, que<br />
usavam engenhos e sistemas de irrigação dos mais modernos da América. Apesar do<br />
pequeno tamanho a colônia produzia 40% de todo o açúcar consumido no mundo durante<br />
boa parte do século 18 – uma produção maior até mesmo que a do Brasil, colônia com<br />
um território 300 vezes maior. Le Cap (a principal cidade da época, no norte da colônia)<br />
tinha um teatro que abrigava 1.500 espectadores e recebia espetáculos logo depois de<br />
Paris. A cidade tinha ainda 25 padarias e um sistema de encanamento que levava água<br />
limpa das montanhas até fontes instaladas em praças. 185 Na agitada feira de domingo era<br />
possível encontrar porcelanas e joias trazidas por marujos da Europa, alimentos e<br />
especiarias, sapatos, chapéus, papagaios e macacos vindos de outras ilhas. “As<br />
montanhas eram cheias de florescentes fazendas de café e as cidades, um alvoroço de<br />
navios chegando e saindo, passageiros e mercadorias de todos os tipos”, conta o<br />
historiador Laurent Dubois, da Universidade Duke, nos Estados Unidos. “Em um século<br />
São Domingos cresceu de uma colônia marginal do Caribe para a mais rica colônia do<br />
mundo.” 186 No entanto, depois de 13 anos de batalhas intermináveis, o lugar ficou<br />
irreconhecível. Transformou-se num terreno de lavouras abandonadas, ruínas, cinzas e<br />
covas de brancos, mulatos e negros – e onde a escravidão ainda vigorava. Surgiu assim o<br />
país que é hoje o mais pobre da América.<br />
A revolução desencadeou uma sucessão de guerras e rebeliões. Começou como uma<br />
disputa entre classes sociais, com os rebeldes negros tentando se libertar de fazendeiros<br />
que se recusavam a lhes fazer concessões. No meio do turbilhão da Revolução Francesa,<br />
misturou-se a uma guerra civil entre elites, travada entre franceses brancos e mulatos,<br />
republicanos e monarquistas. Depois deu lugar a uma guerra entre impérios, pois a<br />
Espanha e a Inglaterra tentaram se aproveitar do caos que a França vivia tanto na Europa<br />
quanto no Caribe e tomar para si os valiosos territórios de São Domingos. E terminou<br />
como uma guerra de independência: quando tudo parecia calmo e um líder negro tentava<br />
pôr a colônia em ordem, o imperador Napoleão Bonaparte mandou 50 navios cheios de<br />
soldados para tentar retomar o poder de São Domingos e reimplantar a escravidão.<br />
Grande parte da destruição que essa próspera colônia sofreu se deve à insistência dos<br />
senhores brancos em manter a escravidão e o sistema colonial.