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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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de roupas por causa da Revolução Industrial, o índigo sofreu sucessivas altas no mercado<br />

– entre 1749 e 1790 o preço aumentou 150%. Foi assim, misturando exploração<br />

escravista e contrabando de um produto em ascensão, que Julien Raimond juntou uma boa<br />

fortuna.<br />

Na década de 1780, aquele senhor se viu cada vez mais ausente de sua propriedade.<br />

Enquanto os escravos trabalhavam para torná-lo mais rico, ele se mudou para a França,<br />

onde integrou um grupo que resultaria na Sociedade dos Amigos dos Negros. Julien se<br />

tornou um dos principais ativistas contra o racismo na Europa. Ele próprio sentia-se<br />

vítima de discriminação racial, pois era mulato, filho do casamento legítimo entre um<br />

colonizador francês e uma “mulher de cor”. Na corte de Versalhes, o fazendeiro e seus<br />

colegas pressionavam as autoridades reais para que não houvesse mais distinção entre<br />

brancos, negros e mulatos nas colônias do Caribe. Em 1789, quando a Revolução<br />

Francesa estourou e a Assembleia Nacional aprovou a Declaração dos Direitos do<br />

Homem, Raimond estava lá. Junto de outros mulatos do Caribe, lançou um manifesto<br />

sobre os cidadãos livres de cor, lembrando aos franceses que, como afirmava a<br />

Declaração dos Direitos do Homem aprovada semanas antes, “todos os homens nascem<br />

livres e iguais em dignidade e direitos”.<br />

São Domingos tinha cerca de 600 mil habitantes: 500 mil escravos e 100 mil cidadãos livres, entre eles brancos, mulatos<br />

e negros alforriados.<br />

Havia em São Domingos uma classe de brancos pobres, chamados petit blancs (“pequenos brancos”), que tinham<br />

pequenas propriedades ou trabalhavam como gerentes de fazendas, caixeiros-viajantes ou artesãos. Num duplo<br />

preconceito, eram chamados pelos livres de cor de “brancos negros”.<br />

O objetivo de Raimond era acabar com a discriminação racial entre brancos e os<br />

cidadãos ricos com alguma ascendência negra, como ele. O preconceito com os mulatos<br />

era cada vez mais comum em São Domingos. Em quase todo o século 18, mais de 70%<br />

dos casamentos eram inter-raciais, geralmente de colonizadores franceses que migravam<br />

sozinhos ao Caribe e acabavam casando com ex-escravas ou suas filhas nascidas<br />

livres. 202 Por causa desses matrimônios, 47% dos cidadãos livres de 1790 eram<br />

descendentes tanto de europeus quanto de negros, os chamados livres de cor ou mulatos.<br />

Muitos deles eram filhos legítimos, que cresciam num ambiente tão próspero quanto o<br />

das crianças brancas mais ricas. Quando adultos, tornavam-se mais ricos e bemeducados<br />

que muitos brancos que não haviam estudado fora. Entre os filhos não<br />

reconhecidos, acontecia com frequência de, com a morte do pai, herdarem terras e<br />

escravos. Personagens assim foram comuns em quase todas as sociedades escravistas da<br />

América, desde o Brasil, passando pela Jamaica, até o sul dos Estados Unidos. De todos<br />

esses, o grupo mais próspero de livres de cor era o de São Domingos. 203 Juntos, eles<br />

possuíam de 20% a um terço dos 500 mil escravos da colônia e eram donos de cerca de<br />

2 mil fazendas de café. 204<br />

A partir da década de 1770, quando essa parcela da população cresceu a ponto de<br />

intimidar os brancos, os livres de cor começaram a perder direitos políticos. O censo<br />

passou a classificar as pessoas segundo o grau de descendência africana; novas leis<br />

provinciais proibiram os livres de cor de eleger representantes, ocupar cargos públicos<br />

ou trabalhar como médicos ou farmacêuticos. A lei chegava até os cuidados pessoais:<br />

eles não podiam vestir-se como os brancos nem mesmo ter penteados à moda europeia.<br />

No imponente teatro de Le Cap, mulatos e negros livres eram obrigados a se sentar nos

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