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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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trabalho que ele experimentou. Jean viveu numa fazenda que produzia principalmente<br />

algodão, cultura que não exige mão de obra tão intensa quanto a produção de café ou<br />

cana-de-açúcar. Por isso se pode supor que a escravidão vivida por ele foi de “pequena<br />

escala, patriarcal, onde a carga de trabalho era relativamente pequena”. 207 Nesse tipo de<br />

convivência quase familiar, não era raro os negros tomarem para si os objetivos e os<br />

desejos dos brancos.<br />

Com o desenrolar das revoltas e as guerras civis de São Domingos, os fazendeiros<br />

passaram a depender tanto de Jean Kina para se manter vivos que o escravo poderia<br />

muito bem mudar de lado e empreender um ataque repentino aos brancos. Mas ficou<br />

muito longe disso. Quando os fazendeiros, agradecidos pelo seu esforço, anunciaram que<br />

lhe concederiam a liberdade, Jean Kina prontamente recusou: queria continuar sendo<br />

escravo. Aceitou só dois anos depois. Sua crença nas vantagens da escravidão o<br />

motivava até mesmo a desrespeitar os brancos adeptos de alguma igualdade racial.<br />

Convidado para jantar com o governador local, Jean Kina recusou. O governador tentava<br />

aproximar os fazendeiros negros dos mulatos – o que indignava os brancos racistas. Por<br />

esse motivo Jean Kina fez a desfeita: disse não ao convite, pois não gostaria de encontrar<br />

um homem que deixou seus patrões tão contrariados.<br />

Em 1793, assim como diversos colonos franceses do norte passaram para o lado<br />

espanhol, muitos fazendeiros do sul, como o dono de Jean Kina, pularam para o barco da<br />

Inglaterra, que havia invadido aquela parte da colônia. Os soldados negros passaram<br />

então a integrar as forças britânicas. Jean Kina e seus homens foram bem recomendados<br />

ao exército real pelos proprietários franceses. “Os comandantes britânicos foram<br />

generosos em tratá-lo com respeito. Ele foi nomeado coronel, recebeu uma espada, um<br />

cinto de espada, assim como presentes e dinheiro”, conta o historiador Geggus. 208 Não<br />

demorou para a lealdade do guerreiro negro surpreender os ingleses. Líder militar<br />

relevante, Jean logo teve dinheiro suficiente para comprar terras e escravos – costumava<br />

viajar para a Jamaica para adquirir dezenas de negros para sua tropa. O auge de sua<br />

carreira militar aconteceu em 1798, quando ele passou a ganhar o salário integral de<br />

coronel do exército britânico. Para os ingleses, não havia nada de estranho na promoção<br />

do ex-escravo. “O rei não tem melhor amigo que Jean Kina, cujo comprometimento com a<br />

Realeza é tão notável quando sua honra e integridade”, escreveu na época um coronel<br />

inglês. 209<br />

A difícil tarefa de Toussaint L’Ouverture<br />

O maior clássico da história da Revolução do Haiti é o livro Os Jacobinos Negros, do<br />

historiador marxista C. L. R. James. A obra defende que os guerreiros negros do Haiti<br />

estavam imbuídos das mesmas ideias que motivavam os jacobinos, os revolucionários<br />

franceses mais radicais. Apesar dos elogios exagerados aos protagonistas da revolta e do<br />

declarado posicionamento político, Os Jacobinos Negros teve o mérito de mostrar, em<br />

1938, os líderes negros como agentes de sua própria história, capazes de articular<br />

manobras políticas e negociações diplomáticas de acordo com planos e estratégias. O<br />

herói desse clássico é Toussaint L’Ouverture, talvez o principal personagem de toda a

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