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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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especiais contratados pelo reino espanhol nem soldados de algum exército. Na maioria<br />

jovens artesãos (alfaiates, ferreiros, pedreiros) ou pequenos proprietários, eles vieram à<br />

América por conta própria. <strong>Da</strong> Coroa espanhola ganhavam somente a autorização para se<br />

apossar de terras que viessem a ser descobertas. Investindo o próprio dinheiro, eles<br />

arranjavam sócios para o investimento e persuadiam vizinhos, amigos e parentes a fazer<br />

parte da companhia. Não eram treinados nem organizados: a hierarquia dividia-se<br />

somente em capitão do navio, cavaleiros (aqueles que tiveram dinheiro para embarcar<br />

nos navios com um cavalo) e peões. 111 Sequer podiam contar com as armas de fogo para<br />

espantar os índios. Os arcabuzes do século 16 demoravam preciosos minutos para serem<br />

carregados e exigiam pólvora seca, uma raridade depois de tantos dias cruzando o<br />

oceano. E ainda não tinham sido criadas, naquela época, técnicas de artilharia que<br />

permitissem um ataque contínuo de fogo contra os inimigos.<br />

Sem tanta preparação e superioridade militar, os conquistadores da América<br />

frequentemente passavam da expectativa de riquezas à esperança de voltar para casa, da<br />

esperança de voltar para casa à desilusão, da desilusão ao desespero. O fracasso era o<br />

destino mais comum. Em 1510, por exemplo, 69 dos 70 espanhóis instalados no Caribe<br />

colombiano foram mortos por índios. Juan de la Cosa, o chefe da expedição, foi<br />

encontrado “desfigurado e inchado, recoberto de flechas envenenadas e de espantosas<br />

chagas vermelhas”. 112 Dos 800 homens que, em 1536, acompanharam Gonzalo Jiménez de<br />

Quesada numa expedição ao interior da Colômbia, só 179 sobreviveram. Mesmo<br />

Francisco Pizarro, quando conseguiu chegar ao Peru, em 1532, tentava se levantar de<br />

dois grandes fiascos. A primeira expedição de Pizarro, entre 1523 e 1524, foi posta para<br />

correr por poderosos inimigos: os mosquitos.<br />

Nas cartas para a corte espanhola, os conquistadores costumavam deixar papelões<br />

como esse de lado. Mas relatos menos comprometidos mostram o sofrimento dos<br />

navegadores quando não encontravam índios dispostos a ajudá-los. “As pessoas não<br />

tinham o que comer e se morria de fome e padecia de grande escassez”, escreveu o<br />

alemão Ulrich Schmidl, participante da expedição de Pedro Mendoza que desembarcou<br />

no rio da Prata em 1535. “Foram tais a pena e o desastre da fome que não bastaram ratos<br />

nem ratazanas, víboras ou insetos; até os sapatos e couros, tudo teve que ser comido.”<br />

Dos 2.500 participantes dessa companhia, quase 2 mil morreram de fome ou atacados por<br />

índios. 113 Duas décadas antes, o navegador português João Diaz de Solis, que sucedeu<br />

Américo Vespúcio no cargo de piloto-mor da expedição, foi morto logo depois de<br />

descobrir o rio da Prata, entre a Argentina e o Uruguai. Solis e muitos de seus homens<br />

foram atacados na praia, após desembarcarem para entrar em contato com os índios.<br />

“Tomando às costas os mortos, os índios se afastaram da margem, até onde os navios<br />

podiam ver”, escreveu um dos sobreviventes, o navegador espanhol Antônio de Herrera.<br />

“Então assaram os corpos inteiros e os comeram.” 114<br />

Dos quatro irmãos Pizarro que vieram à América, três foram mortos em combates. Só um deles, Hernando (o único<br />

filho legítimo), morreu de velhice na Espanha.<br />

Outro inimigo a enfraquecer os conquistadores eram os conflitos internos. Como<br />

acontecia com os índios, cada companhia e cada conquistador tinham objetivos nem<br />

sempre convergentes. Os capitães competiam entre si para obter títulos e encomendas –<br />

nessa disputa valia até espalhar fofocas na corte para que o inimigo perdesse benefícios.

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