Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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diz o historiador César Leyton no documentário. “De certa forma, para mim, essa é a<br />
plataforma que mais tarde será o Allende político, o Allende que pede pela solução da<br />
necessidade dos setores populares. A medicina social nesse sentido é fundamental para a<br />
formação ou para a visão que mais tarde ele terá sobre a sociedade e a miséria.”<br />
Uma avaliação do mesmo trabalho de Allende mostra uma conclusão completamente<br />
diferente. Para o filósofo chileno Víctor Farías, autor de Salvador Allende,<br />
Antissemitismo e Eutanásia, o estudante e, mais tarde, ministro da Saúde expôs ideias<br />
que nada têm de compaixão social, como a esterilização em massa e forçada de doentes<br />
mentais. Aos 25 anos, Allende enfatizava que muitos distúrbios estavam relacionados à<br />
herança biológica, e não à condição social. Na sua tese, faz uma tipificação das raças e<br />
descreve a propensão de cada uma delas ao crime. Cita, então, o polêmico médico<br />
italiano Cesare Lombroso (1835 a 1909), para quem um criminoso podia ser denunciado<br />
por seus traços físicos ou por sua origem étnica:<br />
Entre os árabes há algumas tribos honradas e trabalhadoras, e outras aventureiras, imprevidentes, ociosas e com<br />
tendência ao furto.<br />
Os ciganos constituem habitualmente agrupações delituosas, onde impera o descuido, a ira e a vaidade.<br />
Os hebreus se caracterizam por determinadas formas de delito: fraude, falsidade, calúnia e, sobretudo, a usura.<br />
Allende não aceita todas as ideias de Lombroso – nem as rejeita. “Esses dados nos<br />
fazem suspeitar que a raça influencia na delinquência. Não obstante, carecemos de dados<br />
precisos para demonstrar essa influência no mundo civilizado”, afirma. O vínculo entre<br />
raça e comportamento reaparece na tese quatro páginas depois. Citando outros autores,<br />
divide os vagabundos (errantes) em três tipos. No primeiro deles, estariam os de origem<br />
étnica – “judeus, ciganos, alguns boêmios etc.”.<br />
Com suas próprias palavras, Allende afirma que “o homossexual orgânico é um<br />
enfermo que, em consequência, deve merecer a consideração de tal”. Logo depois,<br />
descreve uma peculiar cirurgia de inversão sexual:<br />
Por outra parte, os trabalhos de Steinach, Lipschutz, Pézard e outros nos fazem senão corroborar o que foi exposto<br />
antes. Além disso, os autores conseguiram curar um homossexual, em cuja família havia outros pederastas, que<br />
apresentava um grande número de características sexuais secundárias femininas, injetando pedaços de testículo no<br />
abdômen. Depois da operação, segundo os autores mencionados, se modificaram aquelas características femininas, que<br />
foram substituídas por outras masculinas, e o doente abandonou seus hábitos homossexuais.<br />
Em todo o resto da tese, Allende não faz qualquer crítica, ponderação ou rejeição à<br />
ideia de curar gays com o bisturi.<br />
O problema ficou maior quando Allende passou, já com 31 anos e no cargo de ministro<br />
da Saúde, a defender um programa de esterilização em massa para evitar que algumas<br />
características humanas não desejáveis fossem transmitidas às gerações seguintes. Em<br />
1939, propôs o Projeto de Lei para Esterilização dos Alienados, sugerindo medidas<br />
“eugenésicas negativas”: a esterilização em massa e forçada dos doentes mentais. Em seu<br />
primeiro artigo, o programa diz que:<br />
Toda pessoa que sofra de uma enfermidade mental que, de acordo com conhecimentos médicos, possa transmitir a sua<br />
descendência, poderá ser esterilizada, em conformidade às disposições desta lei. 403