Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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Gros, o oficial capturado pelos homens de Jean-François, escreveu em suas memórias<br />
que a revolta dos escravos era claramente uma “contrarrevolução”, ou seja, uma revolta<br />
armada em protesto à Revolução Francesa:<br />
Em todo lugar os escravos acreditavam que o rei tinha sido preso e que eles tinham sido requisitados para se armar e<br />
restaurar a liberdade; eles estavam cientes da queda do clero e da nobreza. Jurando pelo mais sagrado, nós podemos<br />
assegurar que há muitas provas de que a revolta dos escravos é uma contrarrevolução. 197<br />
Jean-François provavelmente lutava também para enriquecer. Com o objetivo de<br />
arrecadar pólvora e dinheiro, sua tropa capturava mulheres e crianças de tropas negras<br />
inimigas e as vendia como escravos para fazendeiros da Espanha. 198 A mesma coisa<br />
faziam outros generais negros. Esse foi um dos motivos para Jean-François arranjar<br />
tantas brigas com outros grupos da mesma etnia. Seu grande inimigo foi Toussaint<br />
L’Ouverture, que se tornaria o general negro mais poderoso do Haiti (falaremos sobre<br />
ele mais adiante). Jean-François atacou até mesmo Biassou, seu antigo aliado, matando<br />
um sobrinho dele. Essas guerras internas, entre duas tropas que agiam do lado espanhol,<br />
geraram preocupação. “Os espanhóis conseguiram apaziguar suas diferenças impondo<br />
pactos de obediência e delimitando muito bem o território de Jean-François e Biassou”,<br />
afirma o historiador <strong>Da</strong>vid Geggus. 199<br />
Em 1795, depois de sofrer derrotas de outros líderes negros e afetado por um acordo<br />
de paz entre a França e a Espanha, Jean-François se exilou. Tentou se mudar com a<br />
família para Havana, em Cuba, mas acabou atravessando o Atlântico para se fixar na<br />
cidade espanhola de Cádiz, acompanhado de 16 familiares e 19 empregados. Até morrer,<br />
provavelmente em 1806, ganhou uma pensão mensal do reino espanhol. 200<br />
Julien Raimond, carrasco e vítima<br />
Até o fim do século 19, quando a química não tinha se desenvolvido o suficiente para criar corantes sintéticos, havia<br />
um grande mercado de extratos de plantas como o índigo, fonte de azul e roxo. Bem adaptado ao clima quente do<br />
Caribe, o índigo se tornou a principal atividade de diversas fazendas escravistas da Guatemala, de São Domingos e da<br />
Venezuela – o libertador Simón Bolívar também cultivava essa planta.<br />
O registros de alguns de seus gastos sobreviveram até hoje. Sabemos assim que entre 1767 e 1784 ele gastou com<br />
joias, alfaiates, cristais, livros e partituras um valor equivalente a uma boa fazenda da região – cerca de 8 mil livres (1<br />
livre era mais ou menos quanto um trabalhador comum ganhava por dia). 201<br />
Julien Raimond foi um dos maiores produtores de índigo do sul de São Domingos.<br />
Típico membro da oligarquia de sua comunidade, passou a juventude estudando em bons<br />
colégios da França. Quando voltou ao Caribe, herdou dinheiro dos pais e arranjou um<br />
bom casamento, com uma viúva de seu nível social. Pôde assim comprar três fazendas e<br />
cerca de cem escravos – um número expressivo tendo em vista que a maioria dos<br />
produtores tinha até dez desses trabalhadores. A produção era quase toda vendida por<br />
contrabando, afinal naquele tempo a Coroa francesa, como as demais cortes com<br />
territórios na América, impunha às colônias do Caribe um monopólio do comércio: os<br />
produtores só podiam vender seus produtos para mercadores franceses e comprar<br />
mercadorias vindas da França. Comerciantes holandeses e ingleses pagavam mais, por<br />
isso Julien agia no tradicional mercado paralelo do Caribe. Com o aumento da produção