Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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No México, até o avanço militar dos espanhóis teve influência indígena. Como<br />
sugerem os lienzos nahuas, as batalhas de conquista foram decididas tanto pelos<br />
espanhóis quanto pelos índios aliados. Há outros vestígios dessa convergência de<br />
objetivos. Logo depois de a colônia espanhola se estabelecer, descendentes de índios<br />
aliados enviaram à corte na Europa pedidos de pensões e isenção de impostos.<br />
Justificavam o pedido destacando seus próprios feitos em prol da conquista, como faziam<br />
os exploradores nas probanzas de mérito. Em 1584, por exemplo, Don Joachin de San<br />
Francisco Moctezuma, cacique da região de Puebla, solicitou que sua comunidade ficasse<br />
livre da cobrança de impostos. A isenção seria uma retribuição em reconhecimento aos<br />
esforços de seu avô, Matzatzin, ao receber Hernán Cortés e conquistar povos da região<br />
de Mixteca e Oaxaca. O cacique ainda se dizia tataraneto do próprio Montezuma, o<br />
imperador asteca. O mais notável é que, segundo o relatório do cacique, a conquista<br />
desses territórios aconteceu sem nenhum guerreiro espanhol. “Enquanto Cortés voltou<br />
para o norte para reconquistar e punir Tenochtitlán por sua revolta, Matzatzin foi para o<br />
sul e conquistou cerca de 20 cidades”, dizem os historiadores Michel R. Oudijk e<br />
Matthew Restall num dos estudos do livro Indian Conquistadors (“Índios<br />
Conquistadores”). Apesar dos interesses do cacique em exagerar os feitos do avô, sua<br />
história converge com o que contam outras fontes nativas. 120 O cacique Joachin acabou<br />
obtendo a isenção de impostos que solicitava.<br />
Há diversos casos assim. Como o dos índios mexicas (astecas), tlaxcaltecas e<br />
zapotecas que partiram com o espanhol Pedro de Alvarado para a Guatemala, em 1524,<br />
com o objetivo de conquistar povos maias. Quarenta anos depois de assentados em terras<br />
guatemaltecas, esses índios protocolaram um pedido de isenção de impostos que incluía<br />
relatórios de campanhas militares, testemunhos de vizinhos e de guerreiros indígenas.<br />
Todo o processo, incluindo ofícios reais e interrogatórios, chegou a 800 páginas. Entre<br />
as pessoas que apoiavam o pedido havia até mesmo conquistadores europeus, como<br />
Gonzalo Ortíz, conselheiro de uma cidade próxima. 121 De acordo com seu testemunho,<br />
“depois de conquistada esta terra os ditos índios conquistadores da Nova Espanha<br />
ficaram, muitos deles, povoados na cidade velha de Almolonga, onde agora estão e<br />
vivem com seus filhos e descendentes”.<br />
O número tão alto de “índios conquistadores”, entre tão poucos espanhóis, fez as<br />
guerras da conquista espanhola ganhar a cara das guerras anteriores à chegada dos<br />
espanhóis. Repare neste trecho do livro Aztec Warfare (“Guerra Asteca”), sobre as<br />
batalhas pré-hispânicas:<br />
As cidades frequentemente eram atacadas em sequência, com os recursos, a inteligência e, algumas vezes, os guerreiros<br />
da última conquista auxiliando a próxima. A expansão sem precedentes dos astecas os levou a regiões onde foram<br />
capazes de explorar antagonismos locais aliando-se com um adversário contra o outro. Também faziam campanhas de<br />
intimidação contra cidades que não atacavam diretamente. Mensageiros iam a essas cidades para perguntar, geralmente<br />
oferecendo vantagens, se os moradores se tornariam súditos do Império Asteca. 122<br />
Basta trocar a palavra “asteca” por “espanhóis” para descrever boa parte do modo de<br />
guerrear dos europeus na América. Mais uma amostra de que, no dia a dia de longas<br />
caminhadas, pousos, negociações e batalhas, os costumes indígenas não foram totalmente<br />
reprimidos. “A Conquista da América Central foi, desde o começo, uma parceria