Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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sociedade heterogênea, cujo complexo mecanismo é facilmente deteriorado, separado e desintegrado pela menor<br />
controvérsia. 150<br />
No mesmo texto, em que dá orientações para a formação de um único governo para<br />
administrar a Venezuela e a Colômbia e de um Congresso, propõe a criação de um<br />
Senado hereditário, seguindo o modelo da Câmara dos Lordes inglesa. No trecho,<br />
defende regalos monárquicos:<br />
A veneração que professam os povos à magistratura real é um prestígio que influi poderosamente para aumentar o<br />
respeito supersticioso que se atribuiu a essa autoridade. O esplendor do trono, da coroa, da púrpura, o apoio formidável<br />
que empresta a nobreza, as imensas riquezas que gerações inteiras acumulam em uma mesma dinastia, a proteção<br />
fraternal que reciprocamente recebem todos os reis são vantagens muito consideráveis que militam em favor da<br />
autoridade real e a fazem quase ilimitada. Essas mesmas vantagens são, por consequência, as que devem confirmar a<br />
necessidade de atribuir a um magistrado republicano uma soma maior de autoridade que a que possui um príncipe<br />
constitucional. 151<br />
Quando ajuda na independência da Bolívia e escreve a Constituição do país, sua veia<br />
autoritária se revela plenamente. Segundo o texto, o presidente deve governar por toda a<br />
sua vida e teria o direito de escolher o seu sucessor e o vice-presidente (que seria o<br />
primeiro-ministro). Eleições deveriam ser evitadas, pois, segundo ele, apenas produzem<br />
anarquia. 152 Nem mesmo os conservadores europeus eram tão conservadores:<br />
Estou convencido do tutano dos meus ossos que a América só pode ser governada por um despotismo hábil. 153<br />
Com a aprovação de seu projeto de Constituição, Bolívar tentou espalhar essa mesma<br />
carta de leis pelos demais países da América do Sul onde tinha alguma influência e<br />
convidou seus presidentes ao tal Congresso no Panamá. Era isso o que Marx queria dizer<br />
com “O que Bolívar realmente almejava era erigir toda a América do Sul como uma<br />
única república federativa, tendo nele próprio seu ditador”.<br />
Bolívar participou da luta de classes – só que na parte de cima<br />
O que mais impressiona no verbete escrito por Marx, contudo, não é o que o alemão<br />
diz a respeito do venezuelano, mas o que ele esqueceu. Ao participar dos conflitos de<br />
independência, Bolívar envolveu-se em uma sangrenta luta de classes. Não no lado de<br />
baixo, das classes menos favorecidas, mas na classe de cima. Seu maior medo era que<br />
negros, índios e mestiços tomassem o poder e instalassem um governo dos pardos, que<br />
eram os negros livres e mulatos. Bolívar se referia a isso como uma “pardocracia”. Em<br />
uma carta endereçada ao general Francisco de Paula Santander, ele escreveu:<br />
A igualdade natural não é o bastante para o povo, que quer uma igualdade absoluta, tanto no público como no doméstico.<br />
E depois irá querer a pardocracia, que é a inclinação natural e única, para exterminar depois a classe privilegiada. 154<br />
Um mês depois, ele afirma:<br />
Vão nos sepultar em uma guerra de cores, ou mais ainda, destruir nossa miserável espécie. 155