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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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CORTESIA COLEÇÃO PETER MORUZZI<br />

Rua Netuno, em Havana: o crescimento do turismo e a alta do preço da cana-de-açúcar na década de 1950 faziam a<br />

classe média aumentar e enriqueciam as maiores cidades da ilha.<br />

Mesmo os músicos tradicionais se deram mal. Em 2007, um projeto cultural criado em parceria com a Universidade<br />

Federal de Pernambuco levou músicos cubanos da banda Los Galanes para cantar no Recife. Logo depois das<br />

apresentações, metade dos músicos se recusou a ir embora. Ao pedir asilo político ao Brasil, disseram ser perseguidos<br />

em Cuba e impedidos de tocar certas músicas. 29<br />

A mais ousada banda cubana de rock chama-se Porno Para Ricardo (procure no YouTube). É punk rock com letras<br />

anticomunistas: “Você sabe como ferrar um comunista? Ponha rock para tocar e prenda-o num porão do Buena Vista”.<br />

Assim como as orquestras e grupos de balé de inquestionável qualidade técnica que serviam como propaganda da<br />

União Soviética, a célebre banda Buena Vista Social Club espalhou a simpatia pelo regime cubano tocando as mesmas<br />

músicas por cinco décadas. O presidente Hugo Chávez, da Venezuela, usa como propaganda a Orquestra Sinfônica<br />

Jovem Simón Bolívar.<br />

Muitos jovens seguiram ouvindo rock às escondidas. Sintonizavam clandestinamente<br />

rádios americanas do Arkansas e de Miami – em volume baixo, para não causar<br />

problema. As bandas locais entraram na clandestinidade. “Sem o apoio do Estado para<br />

obter instrumentos e a instrução disponível aos músicos dos estilos aprovados pelo<br />

governo, os roqueiros de Cuba tinham que improvisar”, conta a historiadora Deborah<br />

Pacini Hernandez em seu compêndio sobre o rock na América Latina. “Ensinaram a si<br />

próprios como tocar guitarras eletrônicas e frequentemente tinham que construir seus<br />

próprios equipamentos, usando fios de telefone para cordas de baixo e montando<br />

tambores de bateria com pedaços de metal ou filmes de raio X.” 30 Oficialmente, a<br />

proibição ao rock durou pouco. Com o sucesso dos Beatles pelo mundo e o espírito de<br />

revolução associado a esse tipo de música, ficou difícil proibi-lo, a ponto de o próprio<br />

Fidel Castro homenagear John Lennon em 2000. Mas o estilo continuou marginalizado em<br />

Cuba. Ainda hoje, bandas que tocam um som digno de nota (e que corajosamente atacam<br />

a ditadura) poderiam ser contadas com os dedos de uma única mão. Já os adeptos de<br />

ritmos tradicionais cubanos rodam o mundo em shows patrocinados pelo governo. Salvo<br />

raras exceções, a cena musical cubana atual se resume aos trios folclóricos que tocam<br />

nos restaurantes para estrangeiros, inacessíveis para um cubano comum. Ao caminhar por<br />

Havana e ouvir pela centésima vez “Guantanamera, guajira guantanamera”, o turista<br />

facilmente constata: a música cubana parou no tempo.<br />

Por trás da perseguição de jovens, músicos e artistas, estava a ideia de fazer todos os<br />

cubanos se parecerem entre si como soldadinhos de chumbo. “Para construir o<br />

comunismo, tem de se fazer o homem novo”, escreveu Che. 31 A expressão, que ele repetia<br />

diversas vezes em discursos e escritos, tem uma longa história. Vem da crença dos<br />

filósofos iluministas de que a natureza humana é maleável, que o homem é uma tábula<br />

rasa em que se pode gravar diferentes comportamentos, dependendo da educação, do<br />

espírito revolucionário ou da influência da sociedade. O homem altruísta e bondoso, que<br />

deveria deixar de lado interesses individuais e colocar-se à disposição do governo, era<br />

um princípio que norteava ideias não só de Che, mas de todos os comunistas. Na prática,<br />

essa busca resultou na perseguição de todos aqueles que pareciam não se encaixar na<br />

moldura do tal homem novo.<br />

Em discursos, entrevistas e falas em reuniões, Che deixou claro esperar dos jovens<br />

disciplina e obediência. Numa das poucas vezes que falou de música, disse que as<br />

pessoas deveriam trabalhar “ao som de cânticos revolucionários”. 32 A ideia central era

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