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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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outras províncias e vice-versa. Oficiais do Estado supervisionavam a contribuição de<br />

cada província com base em censos e registros contábeis detalhados, organizavam<br />

grupos de trabalho e cuidavam da manutenção de estradas (que cortavam os Andes,<br />

apesar de os andinos não conhecerem a roda). Como a autoridade do Estado prevalecia<br />

diante de valores e vontades individuais, cidadãos comuns eram recrutados para<br />

trabalhar desde a infância, com a humildade e a disciplina de soldadinhos de chumbo, em<br />

campos, pastos, minas, oficinas de ferramentas e objetos de ouro e prata. A organização<br />

estatal até funcionava, mas ao custo de transformar os incas em formigas. Essa falta de<br />

individualidade ainda hoje decepciona alguns peruanos, como o escritor Mario Vargas<br />

Llosa:<br />

Os incas dominaram dezenas de povos, construíram estradas, canais de irrigação, fortalezas, cidadelas e estabeleceram<br />

um sistema administrativo que lhes permitiu produzir o suficiente para alimentar todos os peruanos, o que nenhum regime<br />

conseguiu, a partir de então. Apesar disso, nunca simpatizei com os incas. Embora os monumentos que eles deixaram me<br />

deixem extasiado, sempre achei que a tristeza peruana – característica marcante da nossa personalidade – é originária,<br />

talvez, dos incas: uma sociedade com uma disciplina militar e burocrática de homens-formiga, na qual um rolo<br />

compressor todo-poderoso anulava qualquer personalidade individual.<br />

O que os historiadores marxistas não contaram – ou não puderam prever – é que os<br />

incas se pareciam com os comunistas até mesmo na opressão promovida pelo governo e<br />

nas tragédias comuns a todos os governos socialistas. O melhor exemplo são as<br />

migrações forçadas. Na União Soviética, entre 1920 e 1950, a transferência de população<br />

atingiu pelo menos 6 milhões de pessoas, a maioria membros de etnias que incomodavam<br />

o regime (como os chechenos, os curdos, os cossacos e os ucranianos). Também eram<br />

removidos os kulaks, camponeses mais ricos, considerados inimigos do povo. Essas<br />

pessoas foram enviadas a zonas de fronteiras, campos agrícolas e regiões pouco<br />

povoadas, como a Sibéria. Pelo menos um quarto dos migrantes morreu de fome e frio em<br />

consequência da mudança. Os que sobreviviam passavam a morar em residências<br />

supervisionadas pela NKVD, a polícia soviética para assuntos internos.<br />

Os incas praticavam uma atrocidade semelhante com os povos que dominavam.<br />

Quando conquistavam uma nova região, os oficiais obrigavam boa parte dos moradores a<br />

migrar para outras partes do império. A ação era chamada de mitmaquna, palavra que<br />

em quéchua deriva de “espalhar”. Suas vítimas eram os denominados mitimaes. Os<br />

arqueólogos estimam que as migrações atingiram entre 20% e 30% da população – por<br />

conta dessa política, um quarto de todos povos andinos morava em terras estrangeiras. 85<br />

O padre jesuíta Barnabé Cobo, que escreveu sobre o modo de vida inca no comecinho do<br />

século 17, ouviu de seus entrevistados que até 7 mil famílias se mudavam de uma vez,<br />

travando caminhadas pelos Andes que ultrapassavam centenas de quilômetros. No<br />

começo do século 16, o rei Huayna Cápac, logo depois de conquistar povoados da região<br />

de Cochabamba, na Bolívia, ordenou que quase todos os moradores fossem removidos de<br />

lá. No lugar deles, 14 mil pessoas de povoados vizinhos habitaram a região e passaram a<br />

cultivar as fazendas estatais.<br />

As migrações aconteciam com mais frequência entre os povos que resistiram ao<br />

domínio inca, e não com os que fizeram acordos com Cuzco. Os lupacas, índios próximos<br />

ao lago Titicaca, se aliaram aos imperialistas e permaneceram em suas terras. Já os<br />

ayaviris resistiram: foram quase todos solicitados a se mudar. 86 “O imperador obrigava

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