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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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cronista Pedro de Cieza de León. 104 Durante a cerimônia chamada de capacocha, as<br />

vítimas, os meninos e as meninas mais bonitos entre todas as terras do império, eram<br />

mortos com pancadas na cabeça ou enterrados vivos lado a lado, como casais. 105<br />

Prisioneiros de guerra também eram executados como agradecimento ao Sol e como<br />

símbolo do poder inca. Em mais de 50 santuários instalados a pelo menos 5 mil metros<br />

de altitude, arqueólogos encontraram ossos de lhamas sacrificadas, cabelo humano, peças<br />

de cerâmica e madeira e corpos de crianças, adolescentes e adultos bem conservados<br />

pela neve. Alguns locais guardavam até vestígios de cercas usadas para encarcerar as<br />

vítimas. 106 Em 1995, o derretimento da neve do monte Ampato, no sul do Peru, expôs um<br />

antigo santuário inca, onde o arqueólogo Johan Reinhard encontrou o corpo mumificado<br />

de uma garota que tinha entre 11 e 14 anos. Juanita, a “dama do gelo”, como passou a ser<br />

chamada, estava vestida com um xale branco e vermelho preso no corpo com botões de<br />

prata.<br />

Nem todo ritual de morte dependia de atos de extrema violência. Os índios<br />

acreditavam tanto no poder trágico de seus deuses que muitos se mutilavam, ofereciam os<br />

próprios filhos e a si mesmos para acalmar os céus. Há diversos relatos, em toda a<br />

América Latina pré-colombiana, de pessoas que caminharam contentes rumo ao seu ritual<br />

de morte. O autossacrifício parece ter sido mais comum entre os incas, como descreveu o<br />

conquistador Pedro de Cieza de León:<br />

Antes que as pessoas fossem levadas à morte, o sacerdote pronunciava um discurso, explicando a eles que iriam servir o<br />

deus que estava sendo celebrado e que habitariam o mesmo lugar glorioso que ele habitava. Aqueles que estavam para<br />

ser sacrificados acreditavam nisso e se vestiam com roupas finas e peças de ouro, braceletes e objetos dourados nas<br />

sandálias. Depois de ouvir o discurso, os sacrificados ganhavam muita chicha para beber, em grandes vasos de ouro. O<br />

sacrifício era celebrado com músicas, e as vítimas se consideravam agraciadas por chegar à morte daquele modo. 107<br />

O pulque é o que os astecas tinham de mais próximo da cerveja: uma bebida alcoólica feita a partir da fermentação do<br />

agave. Plantas da família do agave, quando destiladas, dão origem à tequila.<br />

É certo que o sacrifício humano era um costume aceito pela tradição e pelo modo<br />

como os índios enxergavam o mundo: não é correto condená-los com os olhos de hoje.<br />

Para quem atribuía ao humor de seus deuses a boa sorte em batalhas ou a chegada de<br />

chuvas, derramar sangue funcionava como o pagamento de uma dívida, uma atitude<br />

necessária para manter a ordem do mundo. Além disso, os índios, tanto da Mesoamérica<br />

quanto dos Andes, não consideravam errado o ato de matar alguém de outro povo. Os<br />

astecas, por exemplo, tinham um tremendo orgulho dos seus assassinos. Como acontecia<br />

entre os índios tupis do Brasil, um jovem só ganhava permissão para se casar depois de<br />

capturar seu primeiro homem. Quem matava mais era mais reconhecido – tinha roupas<br />

melhores, entrada garantida em festas e mais mulheres. “Um guerreiro com quatro mortes<br />

nas costas, por exemplo, podia dançar em importantes cerimônias e vestir finos<br />

ornamentos nos lábios, além de tiaras com penas de águia”, conta o antropólogo<br />

americano Michael Smith. “Já os guerreiros águia e jaguar podiam jantar no palácio real,<br />

beber pulque e ter amantes. A escalada de um jovem na carreira militar era fonte de<br />

grande orgulho para sua família.” 108<br />

Os “encomendeiros” ganhavam permissão real para cobrar impostos de um grupo de índios em forma de trabalho ou<br />

produtos. Em troca, tinham de ajudar a protegê-los contra inimigos e iniciá-los na língua espanhola.<br />

É certo também que os conquistadores espanhóis protagonizaram episódios de

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