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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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Essa história, porém, também revela que o costume milenar de ter e vender gente<br />

estava impregnado nos próprios líderes de escravos e de negros livres. Assim que<br />

conseguiram algum poder, eles se tornaram senhores escravistas a agir contra a<br />

liberdade. É difícil achar, na história da Revolução do Haiti, um protagonista de<br />

qualquer etnia ou classe social que não esteve imbuído ao mesmo tempo de ideias dos<br />

novos tempos e do Antigo Regime, de discursos contra o racismo e práticas racistas, de<br />

decisões revolucionárias e reacionárias. É o que mostram os cinco protagonistas<br />

descritos a seguir.<br />

A estranha revolta de Jean-François<br />

Em outras regiões da América, como em Minas Gerais, no Brasil, os escravos recém-chegados da África também<br />

ganhavam, tanto pelos brancos quanto pelos negros, o apelido de “bugres”. O termo também denominava os índios que<br />

tentavam se integrar na vida das cidades.<br />

A escravidão era um sistema tão estabelecido que os donos de terras, tanto do Brasil, do sul dos EUA ou do Caribe,<br />

confiavam sua própria segurança a escravos. <strong>Da</strong>vam a eles armas e os encarregavam até mesmo de capturar negros<br />

fugitivos. Por incrível que pareça, em boa parte dos casos esses homens armados não atacavam seus donos. Não foi o<br />

que aconteceu no Haiti.<br />

Para entender como aqueles escravos conseguiram planejar dezenas de revoltas<br />

simultâneas – numa época em que não havia Twitter ou Facebook –, é preciso conhecer<br />

duas coisas: sua rotina e o perfil de seus líderes.<br />

Os escravos de São Domingos, assim como quase todos na história, não eram uma<br />

massa uniforme, na mesma posição social. Havia aqueles com mais status e maior<br />

capacidade de impor sua vontade e liderar os demais. Os “boçais”, africanos recémchegados<br />

que não falavam a língua local, ingressavam nas fazendas em desvantagem em<br />

relação aos negros nascidos na América. Enquanto os novatos ficavam com o trabalho<br />

pesado da lavoura, os mais antigos tinham mais chances de conquistar a confiança de<br />

seus donos e ganhar tarefas consideradas mais nobres. No topo da pirâmide social do<br />

cativeiro estavam os empregados domésticos – mordomos, lavadeiras e cozinheiras – e<br />

também marceneiros, operadores das “máquinas” dos engenhos e seguranças, que<br />

evitavam furtos e fugas de colegas.<br />

Os mais poderosos eram os cocheiros e os feitores. Era um privilégio (se é que se<br />

pode falar de privilégios dentro da escravidão) ser cocheiro, porque dirigir carroças<br />

pelas vilas dava a possibilidade de ter acesso a outras fazendas, estabelecer mais<br />

contatos e circular com alguma liberdade. Já o feitor era uma espécie de líder informal e<br />

carismático das senzalas. Dele dependia tanto o dono da fazenda – que precisava de<br />

alguém influente para evitar descontentamentos e revoltas – quanto os escravos, pois ele<br />

tinha poder para liberar os doentes do trabalho, agir como um árbitro em brigas internas<br />

e permitir passeios à noite e aos domingos.<br />

Muitos senhores, para resolver o problema da alimentação dos escravos, cediam a eles um pedaço de terra para<br />

plantar o que preferissem. Muitos negros aproveitavam para produzir mais que o necessário e ganhar um dinheiro com a<br />

venda.<br />

Os mercados de rua de Porto Príncipe vendem aos turistas diversos bonecos daqueles que, segundo os filmes de<br />

terror, são alfinetados em rituais de vodu para atingir pessoas de verdade. Na realidade, esses bonecos têm pouco a ver<br />

com o vodu – são mesmo coisa de Hollywood. O vodu do Haiti está mais para a umbanda brasileira e a santería cubana:

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