Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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do México, da Guatemala ou do Peru parecem agora resultado tanto da vontade e da<br />
influência dos índios quanto dos europeus. Entram nesse conjunto até mesmo grandes<br />
atrocidades que ocorreram durante a conquista. Essas novas interpretações corroem<br />
ideias que estruturam a historiografia tradicional. Como a noção da onipotência dos<br />
espanhóis; de sua aparência de deuses; dos índios como excluídos das decisões políticas;<br />
dos estrangeiros e dos nativos como grupos coesos e donos de objetivos contrários; e até<br />
mesmo a ideia da conquista espanhola como uma sequência de batalhas.“Não houve ‘nós’<br />
contra ‘eles’”, escreveu o pesquisador argentino Gonzalo Lamana, da Universidade de<br />
Pittsburgh, num livro cujo título diz tudo: Domination without Dominance (“Dominação<br />
sem Domínio”). “Quase não houve episódio em que as tensões internas dos espanhóis e<br />
dos povos nativos não se desenrolassem e se sobrepusessem, frequentemente em direções<br />
ambíguas.” 77 As descobertas mais desagradáveis dessa nova historiografia estão a seguir.<br />
Começando pelo básico: o ódio que os índios nutriam entre si antes de os conquistadores<br />
chegarem.<br />
Boa parte dos andinos comemorou a chegada dos espanhóis<br />
Conta-se que, pouco antes da batalha, alguns dos 168 espanhóis urinaram nas calças, tamanho o temor ao passar com<br />
seus cavalos pelas dezenas de milhares de guerreiros incas.<br />
Em 1545, com a descoberta da mina de Potosí, na Bolívia, a prata se tornaria a maior fonte de riquezas da América.<br />
Em menos de 30 anos, Potosí chegou a 120 mil habitantes, população maior que a de Lisboa, Roma ou Sevilha. O<br />
dinheiro que circulava pela cidade atraía de professoras de balé a vendedores indianos. 78<br />
Um dos episódios mais tristes da conquista espanhola é a execução de Atahualpa, o<br />
líder dos incas, senhor de milhões de índios, soberano de um território com 4 mil<br />
quilômetros de fronteiras entre a Argentina e a Colômbia. Não há, em toda a história<br />
tradicional da conquista, um caso em que se atribui tanta baixeza aos europeus. Em 1532,<br />
depois de meses de espera para conhecer o imperador inca, a tropa do espanhol<br />
Francisco Pizarro chegou a Cajamarca, nos Andes peruanos. O encontro amigável logo se<br />
transformou em batalha: em poucas horas, os 168 espanhóis afugentaram dezenas de<br />
milhares de guerreiros, tomaram a cidade e prenderam o líder Atahualpa. Para escapar<br />
da morte, o soberano inca prometeu entregar aos conquistadores um aposento de seu<br />
palácio repleto de metais preciosos. Cumpriu a promessa, entregando 6.035 quilos de<br />
ouro e 11.740 quilos de prata. 79 Mesmo assim foi barbaramente estrangulado, em julho de<br />
1533, na praça principal de Cajamarca.<br />
As doenças europeias chegaram ao Peru antes dos europeus. O imperador inca Huayna Cápac morreu<br />
provavelmente de varíola pouco antes de Pizarro aparecer por ali. A morte provocou a disputa de poder entre dois de<br />
seus filhos: Atahualpa e Huáscar. O primeiro conseguiu tomar o poder de Cuzco, a capital do império, meses antes de os<br />
espanhóis chegarem.<br />
Os soldados do imperador Atahualpa tentaram queimar a cidade invadida e<br />
organizaram uma resistência desesperada nas proximidades; há relatos de que mulheres e<br />
irmãs do líder se mataram. Para um leitor moderno, o relato é de arrepiar. Mas os índios<br />
já estavam acostumados com batalhas e quedas de líderes como aquela. Na verdade, a<br />
prisão e a execução de líderes era um fato corriqueiro na história andina. Se os espanhóis<br />
praticaram crueldades contra o povo e a cultura inca, o mesmo se pode dizer dos incas<br />
em relação a tradicionais povos andinos sob seu domínio. O próprio Atahualpa, meses