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Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch

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domínio ainda abrangia terras na Holanda, na Bélgica e no sul da Itália.<br />

As denúncias do frade dominicano foram reproduzidas com gosto pelos maiores<br />

adversários do reino espanhol – os protestantes. Com a conquista da América e a<br />

unificação a Portugal, em 1580, a Espanha teve em mãos um dos maiores impérios da<br />

história – um império católico. Entre os intelectuais europeus, se tornou estimulante falar<br />

mal de um império tão poderoso e dar uma exageradinha na crueldade dos<br />

conquistadores católicos. Protestantes holandeses, ingleses, franceses e germânicos<br />

trataram de destacar as mortes durante a conquista com o objetivo de invalidar o direito<br />

dos espanhóis sobre os territórios americanos. Como escreveu o historiador francês<br />

Pierre Chaunu, as denúncias dos padres se tornaram “armas de uma guerra psicológica<br />

das nações hostis”. 75<br />

Surgiu, assim, o que o escritor espanhol Julián Juderías chamou, em 1914, de “lenda<br />

negra”. Trata-se do costume de demonizar os conquistadores e exagerar a crueldade de<br />

suas ações, como se a conquista espanhola fosse um episódio dos mais lamentáveis da<br />

história. Desde que os pesquisadores se deram conta dessa lenda, o debate tem evoluído<br />

para uma visão mais equilibrada, segundo a qual nem os europeus eram lobos tão<br />

famintos, nem os índios ovelhas tão mansas. “É claro que a descoberta da América e a<br />

sua conquista estiveram repletas de horrores, mas também de gestas gloriosas que não<br />

podemos deixar de lado”, afirmou o escritor mexicano Octavio Paz, Prêmio Nobel de<br />

Literatura de 1990. “Aqueles que definem a conquista como um genocídio dos povos<br />

americanos cometem um erro grave.”<br />

Túpac Katari foi um líder aimará que montou um cerco a La Paz em 1781. Seu grupo costumava incluir espanhóis,<br />

índios e mestiços que vestiam roupas à moda europeia. Nos dias de hoje, o líder indígena inspira o Exército Guerrilheiro<br />

Túpac Katari.<br />

Apesar dessa moderação intelectual, durante o século 20 o relato-denúncia da<br />

conquista seguiu fazendo sucesso na América Latina. Autores locais, aplicando a luta de<br />

classes à história, trataram de ressaltar o martírio e a resistência dos heroicos índios e<br />

camponeses perante a elite colonial ou republicana. Com essa inspiração, surgiu o<br />

katarismo, movimento dos índios bolivianos inspirado no revolucionário Túpac Katari.<br />

“Durante os tempos coloniais, nossa cultura não foi nem respeitada, nem reconhecida –<br />

foi esmagada e subordinada”, diz o Manifesto de Tiwanaku, um dos primeiros<br />

documentos kataristas, de 1973. 76 Ainda hoje, a narrativa dos cruéis conquistadores<br />

alimenta discursos indignados, emociona e revolta o público no cinema. E elege<br />

presidentes.<br />

Entre tantos relatos de tantas épocas, algumas semelhanças se mantiveram através dos<br />

séculos. Nas histórias dos conquistadores, dos jesuítas e dos marxistas do século 20, os<br />

personagens e a estrutura da história pouco mudaram: os espanhóis eram fortes; os índios<br />

raramente eram protagonistas de uma ação e quase sempre apareciam acompanhados de<br />

um verbo na voz passiva. O melhor exemplo disso são as declarações do presidente da<br />

Bolívia, Evo Morales. Só em seu discurso de posse, em 2006, ele se referiu aos índios<br />

usando os seguintes termos: “marginalizados”, “humilhados”, “odiados”, “depreciados”,<br />

“condenados à extinção”, “submetidos à opressão”, “jamais reconhecidos”.<br />

É isso o que agora está mudando. Nos últimos anos, com a análise mais atenta dos<br />

relatos espanhóis e a consulta a obras e documentos indígenas, os historiadores passaram<br />

a dar papéis muito mais relevantes aos índios. Sob essa nova ótica, diversos episódios

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